Orçamentos Participativos de Freguesia (em Lisboa mas não só)

É preciso mudar radicalmente a forma como se faz política local em Portugal.

Vivendo numa freguesia de Lisboa (Areeiro) onde, apesar dos mais de 5 milhões de euros de orçamento, o estilo de gestão continua a ser o mesmo de uma junta de freguesia do século XIX, acabei por formar, em contraponto, uma opinião sobre aquilo que deve ser uma autarquia para o século XXI, uma autarquia que deixa para trás o conceito de um Poder Local democrático clássico dos anos 1970 e 1980, o conceito de um Poder Local do período de consolidação da nossa democracia que resultou, muito, do processo de interação europeia e que cortando radicalmente com todas as más práticas de caciquismo, escambo de favores partidários, opacidade crónica, agressividade cega contra todo o escrutínio e fiscalização se abre, moderniza e cria um contexto de segurança e desenvolvimento para os seus cidadãos.

Não é possível continuar a trabalhar para os cidadãos na mesma lógica que norteou a condução da política até agora e esperar que tudo continue na mesma e não acreditar que o “fazer como sempre se fez” não tem nada a ver com a ascensão do populismo na Europa e, no nosso luso particular, em Portugal. É preciso mudar radicalmente a forma como se faz política local em Portugal e essa mudança deve ser feita em cinco eixos principais.

É preciso exigir maior eficiência na execução dos orçamentos, mais precisão nos mesmos, maior transparência, reorientar as políticas locais no sentido de uma autarquia “verde” e tecnologicamente actualizada mas e, sobretudo, é preciso dar um Salto Quântico no vector de Participação dos Cidadãos, instituindo orçamentos participativos (OP) de freguesia, anuais, modernos (incorporando todos os componentes mais recentes sugeridos pelos peritos), de um valor e uma eficiência adequados a produzirem efeitos concretos e rápidos na vida dos cidadãos.

Com a intenção de produzir uma “bitola comum” que pudesse nortear a elaboração e execução deste tipo de orçamentos participativos elaborei em conjunto com o Professor Yves Cabannes (Emeritus Professor of Development Planning da University College London) um ranking comparativo dos diversos orçamentos participativos das juntas de freguesia de Lisboa que pode ser consultado aqui (apresentação) e aqui (ranking).

O objectivo deste ranking é o de promover e estimular a criação e existência de boas práticas nos OP em curso na cidade de Lisboa contribuindo para o seu aperfeiçoamento e desenvolvimento tendo sido todas as métricas ou indicadores concebidos dentro dos parâmetros habitualmente presentes em estudos comparativos internacionais e valorizados consoante o peso relativo de cada um.

Aqui identifiquei que:

  1. Só cinco das 24 Juntas de Freguesia de Lisboa têm, actualmente, OP previstos para 2021.
  2. Sete freguesias de Lisboa já tiveram um OP mas actualmente não nem têm planos para este ano.
  3. Os valores dos OP (10 e 25 mil euros) correspondem a menos de 1% do orçamento de investimento da junta. Há exemplos de cidades de outros países de 5% sendo que 1 a 2% é uma proporção relativamente comum.
  4. As freguesias que não têm OP confirmam terem outras ferramentas participativas e uma delas (Estrela) alega mesmo ter uma ferramenta superior (um sistema de relatos de anomalias e propostas com rankings de votações de utilizadores) mas que, na verdade, não é um OP no sentido convencional no termo. Santa Maria Maior teve, até 2019, “o Programa de Desenvolvimento Comunitário de Santa Maria Maior” que financiava projetos que, depois, foram “convertidos em protocolos anuais entre a junta de freguesia e a entidade em questão”.
  5. Praticamente todas as freguesias que não têm OP remetem para o OP da cidade por considerarem que um OP de freguesia desfoca esforços e pode duplicar projectos devido a toda a carga burocrática, regulamentar e administrativa que implica. Por outro lado, o aumento da divulgação do OP de Lisboa e a divisão da “votação em unidades de intervenção territorial (UIT) permitiu ter votações ponderadas e criou alguma equidade ao processo, permitindo que freguesias com menor população (e potencialmente menor número de votantes) possam ter propostas vencedoras” (responde São Vicente).
  6. A estimativa dos custos e a divisão de competências entre juntas e câmara é uma dificuldade apontada por algumas autarquias.
  7. Algumas juntas (como Campo de Ourique) listam como vantagens de um OP de freguesia a sua maior proximidade e menor escala e facilidade de implementação.

Sugestões para futuros OP de freguesia (em Lisboa e não só):

  • Mesmo as duas freguesias mais bem classificadas neste ranking estão longe do pleno da pontuação (ficando-se em torno de metade): isto significa que todas as freguesias, mesmo as mais bem classificadas, têm muito espaço de melhoria, bastando para tal seguirem, desenvolvendo, os indicadores presentes neste ranking.
  • Por outro lado, todas as juntas de freguesia que já têm OP devem continuar a desenvolvê-los, as que não o têm devem revisitar as razões que as levaram a suspender ou a abandonar este processo participativo e as que nunca o tiveram devem avaliar o seu lançamento.
  • Observe-se, contudo, que juntas de freguesia, como o Areeiro, que têm desde há anos essa rubrica no seu orçamento e têm, inclusivamente, um regulamento de OP aprovado, devem lançar um OP no mais breve prazo possível.
  • Em geral, em todos os OP de freguesia de Lisboa, os números de propostas e eleitores em OP parecem geralmente muito baixos mesmo numa escala menor de população como é a das freguesias (em torno dos 20 mil eleitores): claramente há um esforço de divulgação que pode ser intensificado através de todos os meios ao seu alcance (sites, redes sociais, listas de mail) e, sobretudo, naqueles que garante um maior alcance (cartazes e MUPI).
  • Acredito que a criação de parcerias com privados para o financiamento dos projectos de OP parece fora de equação para todas as juntas com OP mas poderia ser uma forma de aumentar o financiamento e, consequentemente, a participação popular e o impacto dos OP de freguesia, por isso deveria ser avaliada em novas edições não sendo nítido que esta parceria seja impossível devido a “obstáculos legais”.
  • É de sublinhar que a freguesia de São Vicente confirmou que abandonou o seu OP dado que “teve uma baixa adesão, tanto de propostas, como de participação” e que “o valor orçamental disponível, ainda que relevante para a realidade da freguesia, permitia apenas propostas com um custo previsível inferior a 5.000€”, mas que “muitas das propostas apresentadas tinham custos de execução muito superiores ou já se enquadraram em ações em implementação ou com execução planeada”. É assim lógico concluir que um OP para ter sucesso precisa de ter uma determinada escala em orçamento e execução que permita criar bons e estáveis níveis de participação pelo que todas as juntas que actualmente têm OP devem ponderar o reforço das verbas alocadas por forma a que não existam retrocessos neste processo. É também claro que deve ser claro aos cidadãos que tipo de propostas podem apresentar a um OP de freguesia e que propostas devem apresentar ao OP de Lisboa.
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