António Costa e as pessoas que têm malas à porta

Costa blindou a sua posição para poder sair ileso, como se de uma vítima se tratasse. Bonita mala, sr. primeiro-ministro. Bruxelas?

Todos conhecemos quem tenha uma mala cheia e semiaberta junto à porta do quarto. Têm-na lá ou porque há preguiça em desfazê-la ou porque numa vida onde viajar é profissão, estragar a mala é uma atitude desnecessária. Há também certas figuras, estas mais raras e normalmente reservadas ao cinema, que as mantêm sempre prontas, não vá ser necessário “dar de frosques”.

Olhando para as últimas intervenções de António Costa, compreende-se que também este está pronto para pegar nas malas. No entanto, e ao contrário dessas figuras de cinema, a saída do primeiro-ministro não tem nada de espontânea. Ainda que o possa parecer.

Não é preciso um excesso de clarividência e calculismo para compreender as intenções do primeiro-ministro. Afinal de contas, as razões que nos levam a eleições são as mesmas em que os partidos não tencionam vergar. E o mapa político não muda.

Assumindo que as tão recentemente desonradas sondagens estão correctas, avizinha-se uma vitória do Partido Socialista, isto num território onde a esquerda continua a liderar, ainda que por uma parca diferença. É assumido por Costa que uma “geringonça” neste estado não funciona, que não é matéria de governabilidade, contudo este foge de Rio como o diabo da cruz. Ao mesmo tempo que nega os antigos parceiros, sabe que voltaria a precisar destes para formar um possível governo. Estará a assumir que estes poderão amansar as suas exigências depois das eleições, diante de um PS assumidamente enfraquecido? Claro que não!

São estas atitudes contrárias de um político aparentemente pragmático que revelam o porquê de as coisas serem como são. Costa está tão farto de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa como eles estão dele. No entanto, os seus partidos estarão sempre dispostos a reatar o namoro em prol do poder, mas nunca com Costa a mediá-lo. Sabemos que os políticos se desdizem, mas neste caso seria o cúmulo.

António Costa criou o seu paradoxo, o seu olho do furacão. Blindou a sua posição para poder sair ileso, como se de uma vítima se tratasse. Maquiavélico já é pouco.

Ora, assumindo que tudo isto é real (e é), torna-se possível fazer uma descida cronológica aos confins do mais puro cinismo político. Nas legislativas de 2019, os resultados do Partido Socialista, ainda que crescendo 25% [em representação parlamentar]f ace às eleições anteriores, ficaram aquém da maioria absoluta. Esse pequeno défice eleitoral talvez tenha sido a maior lufada de ar fresco para Costa. Os seus parceiros políticos haviam sido taxados nas urnas e tanto BE como PCP teriam de alinhar com o seu Governo, isentando-o de acordos pré-estipulados. Ao mesmo tempo que a esquerda “baixava as orelhas”, uma direita desfeita e pouco consolidada estava longe de lhe causar arrepios. Para mais, não se vinculara a uma maioria absoluta, capaz de o pregar ao lugar durante uns garantidos quatro anos. Ouro sobre azul sobre ouro.

O que lhe restaria agora, senão aguardar pelo momento certo e pressionar artificialmente a sua posição junto das “parcerias”? Afinal de contas a direita sobe a pique, ainda que desconcertada entre si. E se há algo que a esquerda teme mais do que o bloco central é o horizonte das direitas. E acreditem, há muita gente no PS ansiosa por governar com as esquerdas.

António Costa é um político hábil e extraordinariamente inteligente. Sabe que a sua figura está desgastada e que o seu Governo será taxado. Agora só lhe falta pedir o impossível e sair como se não fosse nada consigo. António Costa sabe que a maioria absoluta é irrealista. António Costa está perto de a tornar a única garantia para a sua permanência. António Costa não tenciona fazer como José Sócrates e sair na mó de baixo. Isso não faz bem a ninguém.

Mas há grandes diferenças entre os projectos futuros do actual primeiro-ministro em relação ao que foram os de Sócrates. E ainda bem. Ao contrário de Sócrates, o comboio de Costa não pára nesta estação.

Bonita mala, sr. primeiro-ministro. Bruxelas?

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