Taliban admitem ter prendido académico crítico por alegados comentários no Twitter

Família não consegue falar com o professor, denunciam a filha e a mulher, a primeira candidata à presidência do Afeganistão. Jovens afegãs manifestaram-se em Cabul a pedir a sua libertação.

Foto
Faizullah Jalal foi levado de sua casa por forças taliban

Quando os taliban regressaram ao poder, o respeitado Faizullah Jalal escolheu ficar no Afeganistão mas não se calou. Há muitos anos professor de Direito e de Ciências Políticas na Universidade de Cabul, Jalal esteve recentemente em vários debates na televisão onde responsabilizou a milícia islâmica pela crise financeira e criticou os “estudantes de teologia” por imporem o seu poder pela força. Agora foi detido.

“Foi preso para que outros não façam semelhantes comentários sem sentido que ferem a dignidade dos outros em nome de serem professores ou académicos”, justificou um porta-voz taliban, Zabihullah Mujahid. Segundo escreveu Mujadid no Twitter, Jalal é acusado de comentários nas redes sociais em que estava a “tentar instigar as pessoas contra o sistema e a jogar com a dignidade das pessoas”.

Jalal é conhecido por criticar abertamente os actuais dirigentes, mas as afirmações em causa terão sido partilhadas numa conta no Twitter que o próprio denunciou como falsa na sua página – as contas falsas de afegãos críticos dos taliban têm sido uma constante nos últimos meses. Mujahid partilhou tweets alegadamente escritos por Jalal onde ele diz que o chefe dos serviços secretos dos taliban é uma marioneta do Paquistão e que o novo governo considera os afegãos como “camelos”.

A verdade é que Jalal não tem poupado nas palavras nem no tom apaixonado com que as diz. Numa ida recente a um programa de televisão chamou ao porta-voz taliban Mohammad Naeem – que estava presente – “bezerro”, um insulto grave no país. Excertos das suas intervenções mais duras tornaram-se virais nas redes sociais.

“Os taliban nunca toleraram a crítica ou a liberdade de expressão. Ele deve ser libertado imediatamente”, escreveu no Twitter Patricia Grossman, responsável da organização de direitos humanos Human Rights Watch para a Ásia. No mesmo tom, a Amnistia Internacional condenou a detenção do professor de Cabul “por exercer a sua liberdade de expressão e criticar os taliban num programa de televisão”.

“Porquê e com que base legal? Detenções arbitrárias por expressar opiniões e análises são contraprodutivas e um passo na direcção errada… em qualquer sociedade”, comentou, por seu turno, Omar Samad, antigo diplomata afegão e investigador no think tank Atlantic Council de Washington.

A detenção do professor, levado de casa para uma localização desconhecida, começou por ser divulgada no Twitter pela filha de Faizullah, a também académica Hasina Jalal. “Depois de várias tentativas para sabermos da saúde e da localização do meu pai, as autoridades taliban não nos deixaram falar com ele”, escreveu ao início da noite.

#FreeProfessorJalal

“O professor Jalal escolheu permanecer no Afeganistão para ficar com aqueles que não podiam fugir”, escreveu ainda Hasina. “Apoiou firmemente o povo afegão nos tempos mais duros e incertos. Hoje, está a pagar o preço por ser um cidadão responsável”, denunciou, antes de apelar aos afegãos para se juntarem a si e exigirem a libertação do pai. Muitos afegãos passaram o dia a fazer publicações nas redes sociais com a hashtag #FreeProfessorJalal.

Algumas jovens afegãs saíram também à rua, em Cabul, armadas de cartazes, faixas e fotos de Jalal para defender a sua libertação.

“Jalal lutou e falou em nome da justiça e do interesse nacional em todas as suas actividades relacionadas com os direitos humanos”, recordou a mulher dele, Massouda Jalal. Primeira mulher a apresentar-se a votos numas eleições presidenciais no Afeganistão, logo em 2002 (e depois de novo, em 2004, e em 2019), na primeira votação depois do derrube do primeiro regime taliban pela intervenção da NATO após o 11 de Setembro, Massouda foi ministra da Mulher durante dois mandatos.

Pediatra e professora na Faculdade de Medicina, tinha sido obrigada a deixar de trabalhar quando os taliban instauraram o primeiro Emirado Islâmico, em 1996.

Apesar de os taliban terem prometido que ninguém seria perseguido por ter colaborado com anteriores governos e que as mulheres manteriam os seus direitos, as denúncias de detenções e desaparecimentos entre pessoas com responsabilidades no regime anterior não pararam de se acumular desde a retirada dos EUA, no fim de Agosto. Ao mesmo tempo, com excepção de algumas áreas, a maior parte das mulheres deixou de trabalhar (ou são proibidas de o fazer ou têm medo) e a maioria das meninas a partir do sexto ano continua sem ir à escola.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários