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Post Diet é uma colecção de 36 selos de vegetais que contam a história do “Brexit”

Associar o "Brexit" aos serviços de correio postal e à indisponibilidade de vegetais no supermercado pode parecer aleatório, mas foi o que fez Francisco Miguel em Post Diet, um projecto artístico que culmina no envio de 30 cartas. “Só quando estamos descentralizados é que conseguimos olhar para o centro.” 

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Foi a pensar no impacto do "Brexit" nos serviços de correio postal e a analisar o lugar dos vegetais no supermercado que Francisco Miguel, de 21 anos, criou uma colecção de 36 selos – e assim nasceu o Post Diet.

Enquanto estudante da licenciatura de Belas Artes, na Chelsea College of Arts, viu os seus projectos serem travados pelo início da pandemia, em Março de 2020. “Como é que se ensina e se produz arte através do Zoom?”, questiona, à conversa com o P3. De regresso a Portugal, cumpriu isolamento em casa dos avós, numa zona mais agrária na área de Sintra. Por ali, confessa, a população comentava que era ele quem estava a trazer a covid-19.

Um dia acordou e deu conta que à porta estava um vizinho com uma curiosa oferta – curgetes. Este momento foi o mote para o que se seguiria. Terminado o isolamento, o convívio com os vizinhos e a descoberta dos vegetais tornou-se rotina. “As trocas de alimentos eram mudas e de uma solidariedade imensa”, descreve.

Na aldeia, longe da agitação que é viver em Londres, pensou: “Só quando estamos descentralizados é que conseguimos olhar para o centro.” E foi com este pensamento – que pauta a dissertação que está a desenvolver – que voltou a Londres, já numa era pós-"Brexit". 

Por ser vegetariano (e quase vegan), começou então a olhar para os vegetais de outra forma. Nos supermercados, deparou-se com um menor número de cenouras, tomates e couves-flor. Rapidamente percebeu que o Reino Unido estava a ser gravemente prejudicado pelas leis de exportação – uma das consequências do "Brexit".

Por outro lado, gosta de escrever para a família e fá-lo com frequência, principalmente para o avô, mas mesmo esse momento de partilha foi afectado pela saída do Reino Unido da União Europeia. Até receber meias enviadas pela mãe se tornou complicado, devido à exigência de nova documentação. Rapidamente percebeu que podia fazer um diferente uso do correio postal – “um meio de comunicação preso a uma identidade”. Aliou a paixão pela escrita ao desejo de criar arte e acrescentou a experiência, em Sintra, que a covid-19 lhe proporcionou – assim nasceu o projecto Post Diet.

O limão, a curgete, a cenoura, a anona, o tomate e a couve-flor foram, segundo o Francisco, “os documentos perfeitos”: “Espelham todas as mudanças a que assisti desde que me mudei para Londres”, admite ao P3.

Através da figuração de vegetais em 36 selos, contou histórias, notícias e memórias. Enviou 30 cartas e, por sua vez, 30 selos para 30 destinatários – pessoas que conhece; pessoas que partilham consigo a vida académica e perceberiam, de imediato, a ideia; e pessoas que não o conhecem directamente, como é o caso do barbeiro que trabalha por baixo da sua casa, em Lisboa. “Cada carta contém uma explicação sucinta do projecto e a história que o selo respectivo representa.” Os restantes seis estão, para já, pendentes de destinatário.

O culminar de duas realidades – a descentralização de Sintra e a centralização de Londres – permitiu-lhe conceber este projecto, que é inteiramente não lucrativo. Partindo da “necessidade de criar coisas que têm de ser ditas agora”, desenvolveu o Post Diet e associou-o ao meio de comunicação com valor de lembrança: as cartas, que são, de acordo com Francisco, “objectos que ficam”.

Texto editado por Amanda Ribeiro

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