110 Histórias, 110 Objectos: os dentes de mastodontes

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos, do Instituto Superior Técnico, é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

No podcast 110 Histórias, 110 Objectos, um dos parceiros da Rede PÚBLICO, percorremos os 110 anos de história do Instituto Superior Técnico (IST) através dos seus objectos do passado, do presente e do futuro. Neste 28.º episódio do podcast, exploramos a história longínqua dos dentes de mastodontes.

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Os dentes de mastodontes Débora Rodrigues

Não muito longe do campus da Alameda do IST foram encontrados “dentes muito grandes” de antepassados de mastodontes, com cerca de 20 milhões de anos, época em que estes ancestrais dos elefantes viviam junto às margens do rio Tejo. Estão actualmente no Museu Décio Thadeu, do IST, dirigido por Manuel Francisco, que lhes atribui “um significado particular”: mostram que existiram aqui, no exacto local onde milhares de alunos se formam, elefantes durante muitos milhões de anos.

A zona envolvente do IST, em particular o Areeiro, é de resto umas das zonas mais ricas em fósseis do período miocénico [de entre há 24 milhões de anos até há cinco milhões de anos atrás], de animais como elefantes, rinocerontes, hipopótamos, entre outros. “O Areeiro era uma zona que tinha muitas areias, que eram usadas para indústrias, e que eram removidas à mão. Quando os trabalhadores escavavam à mão era mais fácil encontrar dentes e ossos desses animais”, explica Simão Mateus, paleontólogo do Dino Parque da Lourinhã, que também estudou parte do acervo dos Museus do Técnico durante a sua tese de doutoramento.

Para além dos mastodontes desse período, podemos imaginar em Portugal uma verdadeira savana e animais como hienas, hipopótamos, girafas e castores a percorrer o seu caminho entre vegetação extremamente alta, com quase dois metros de altura, no período pré-Idade do Gelo (até há cerca de dois milhões de anos atrás). “Uma das coisas que conseguimos perceber é a dimensão e a diversidade da fauna pré-Idade do Gelo, muito parecida com a fauna [actual] de África”, explica Simão Mateus. Entrando na idade do gelo, que durou até há cerca de 11500 anos atrás, começam a aparecer na região animais mais parecidos com rinocerontes lanudos e mamutes. “O Areeiro já não é das zonas fossilíferas porque começaram a construir em cima. Uma das questões para se descobrir fósseis é não haver construções”, complementa.

Voltando aos dentes de mastodontes: estes elefantes “lisboetas, alfacinhas e ribatejanos viviam num ambiente mais quente, em meandros fluviais onde havia ervas altas, a savana tinha-se desenvolvido há pouco tempo (para aí uns dez milhões de anos)”. Havia uma grande variedade de elefantes, que se tinham diversificado “em formas muito estranhas”, rinocerontes com chifres bastante diferentes dos que temos actualmente, alguns com chifres de mais de um metro. “Por outro lado, tínhamos animais que vieram a dar origem aos cavalos, com três dedos e do tamanho de gatos, que eram os cavalos da altura. Havia também os tigres dentes de sabre, que comiam estes cavalos, os castores e os esquilos. Tínhamos também coisas mais estranhas como tubarões entrarem pela bacia do Tejo e Sado com toda a facilidade”, descreve Simão Mateus. Seres humanos ainda não.

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Os dois tipos de elefantes que existem actualmente – o africano e o asiático – são uma simplificação da variedade que a família dos elefantes tinha anteriormente e que se manifestava também em Portugal. “Os elefantes não se extinguiram da Península Ibérica assim há tanto tempo. Acredita-se que há cerca de dois mil anos ainda existiam elefantes autóctones na Península Ibérica e na Europa, muito parecidos com os actuais Acredita-se que a extinção tenha sido devida a caça humana”, explica Simão Mateus.

A colaboração entre o Museu de Geociências do IST e o Dino Parque da Lourinhã conhecerá novos capítulos no futuro. “No Técnico, acredite-se ou não, no Museu Décio Thadeu, estão fósseis de castores, tigres dentes de sabre, girafas, e tudo isso são fósseis extremamente importantes, principalmente porque são fósseis que estão no virar de uma extinção, em que a Península Ibérica está a perder qualidades de savana e daqui a pouco tempo vai começar a entrar na idade do gelo e toda a fauna se vai alterar”, explica Simão Mateus. Estudá-los pode ajudar a perceber como é que pequenas alterações de temperatura (aquecimento global e arrefecimento global) podem causar extinções em massa e como é que isso altera todo esse ecossistema, por exemplo.

Simão Mateus acredita que esta colaboração pode ajudar “a dar a conhecer as riquezas do Museu, para que outros investigadores, mais peritos em cada um dos grupos de animais, possam investigar e estudar melhor a fauna miocénica de Portugal”. O desafio não se adivinha fácil: “No Técnico há muito trabalho ainda para se fazer, tem óptimos exemplares de animais que não estão muito bem estudados. O acervo do Técnico dava para uma vida inteira de trabalho para uma ou duas pessoas”.

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. É um programa do Instituto Superior Técnico com realização de Marco António (366 ideias) e colaboração da equipa do IST composta por Filipa Soares, Sílvio Mendes, Débora Rodrigues, Patrícia Guerreiro, Leandro Contreras, Pedro Garvão Pereira e Joana Lobo Antunes.

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