Projeções das alterações climáticas até 2020: terão sido conservadoras ou alarmistas?

Investigadores do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro concluem que o aquecimento global futuro pode ser maior e mais grave em termos de impactos climáticos, económicos, ambientais e de saúde pública do que o previsto.

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REUTERS/Kevin Frayer via WPP

Apesar dos sucessivos recordes de temperaturas elevadas no Ártico e das conclusões claras dos últimos relatórios do Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas (IPCC, Intergovernmental Panel on Climate Change) em termos do aquecimento global observado e dos respetivos impactos no clima, ecossistemas, biodiversidade e sociedade, algumas franjas da sociedade civil e, por vezes, também académica mantêm-se relativamente cépticas, classificando como alarmistas as projeções de alterações climáticas do IPCC, realizadas com base em modelos físicos da atmosfera e do sistema climático.

Neste sentido, os investigadores David Carvalho e Alexandra Monteiro do grupo de Modelação dos Processos Atmosféricos do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro lideraram um estudo no qual compararam as projeções de clima futuro que serviram de base para os anteriores relatórios do IPCC (em particular os IV e V relatórios de 2007 e 2014, respetivamente) com o que foi, entretanto, observado. Assim, é possível verificar se as projeções são de algum modo alarmistas ou se, pelo contrário, são conservadoras.

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A figura mostra, no painel superior, uma comparação entre o aquecimento médio global do período 2000-2020 e o período de 1980-2000 com base nos dados do relatório de 2007 do IPCC. No painel inferior é feita uma comparação entre o aquecimento médio global do período 2006-2020 e o período de 1986-2005 com base nos dados dos relatórios de 2007 e 2014 do IPCC. Na figura mostram-se as comparações entre o aquecimento previsto pelas projeções (uma otimista e outra pessimista para cada relatório) e o que foi realmente registado (a preto).

Os resultados mostram que, em termos de médias globais, as projeções de temperaturas futuras do IPCC estão alinhadas com os valores de temperatura entretanto observados. Ainda assim, verifica-se haver uma tendência no geral conservadora nas previsões, ou seja, as temperaturas registadas foram, em média, mais altas do que as previstas pelo IPCC. Dos vários cenários analisados em cada relatório, estes resultados mostram que o cenário do IPCC mais próximo da realidade foi o mais pessimista (aquele que considera maiores emissões de gases com efeito de estufa).

Estes resultados – presentemente em preparação para publicação científica – mostram que as projeções futuras do IPCC em termos de aquecimento global não são, de todo, alarmistas (muito pelo contrário). O negacionismo e ceticismo perante as atuais alterações climáticas e os seus impactos são perigosos, e potenciais inimigos da mitigação e adaptação urgentes.

Importa realçar que esta análise compara apenas o aquecimento global observado nos últimos 20 anos (2000-2020) com os 20 anos anteriores (1980-2000), não considerando por isso os ciclos de variabilidade climática natural que de facto ocorreram diversas vezes no passado no nosso planeta ao longo de centenas ou milhares de anos. No entanto, é importante ter presente que estes ciclos naturais de variabilidade climática passados, responsáveis por períodos de tempo em que o clima foi mais quente ou mais frio (por exemplo, idades do gelo), ocorreram sempre devido a alterações extremas de fatores naturais, como atividade vulcânica e solar, alterações na órbita ou inclinação do eixo da Terra, ou ainda outras catástrofes naturais como, por exemplo, a queda de meteoritos de grandes dimensões.

Inúmeros artigos científicos publicados nas últimas décadas e, em particular, o último relatório do IPCC publicado em Agosto de 2021, mostram claramente que nas últimas décadas não tem havido alterações significativas destes fatores naturais, sendo que o único fator com alterações significativas é a concentração de gases com efeito de estufa na atmosfera devido à atividade humana. Para além deste facto, o ritmo de aquecimento que se tem verificado nos últimos 50-60 anos tem sido muito mais acelerado do que os ritmos de alterações climáticas que se verificaram no passado devido a fatores naturais. A conjugação destes três fatores - (i) elevadas concentrações de gases com efeito de estufa; ii) ausência de outros fatores naturais com escala suficiente para provocar o aquecimento da atmosfera; e iii) ritmo acelerado de aquecimento da atmosfera - provam, como referido nos relatórios do IPCC, que as alterações climáticas a que temos vindo a assistir nos últimos anos são, de facto, de origem humana.

A verdade é que somos todos responsáveis por este problema e cabe a cada um de nós contribuir individualmente para a solução deste desafio intergeracional.

Os autores assinam o texto em representação dos 20 investigadores pertencentes ao Grupo de Processos Atmosféricos e Modelação do CESAM-Centro de Estudos do Ambiente e do Mar, Universidade de Aveiro

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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