Um menu de memórias reinterpretadas

Esta orquestra de aromas sempre fez parte de mim, aliás tal como todas as outras tradições festivas. Uma delas era a espera incessante para que um senhor rechonchudo, de bochechas mais redondas que cerejas vermelhinhas, de tanta a azáfama deste dia stressante, chamado Pai Natal chegasse de trenó.

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As memórias são sonhos, são pequenas passagens mentais que decorem do simples viver, com a leve diferença, de que, os sonhos cessam, findam no momento em que aquele olhito maroto decide abrir as persianas e tudo volta à realidade, a mesma realidade entediante.

Por sua vez, as memórias não possuem olhinhos impudicos, não têm a mesma finitude dos sonhos. Algumas das minhas primeiras memórias natalícias remetem-me para uma sinfonia de aromas, desde o típico perfume a canela, da aletria, de toda a doçaria que saltitava desde a cozinha até à longa mesa de jantar. Transportam-me para um cheiro peculiar, diria, aquele calor humano, o cheiro da mãe, da avó, da criançada que corre corredor adentro, corredor fora, o cheiro que vinha da rua, quando alguém abria a porta de casa, o cheiro do meu Natal, que creio ser pessoal e único, cada um de nós possui essa orquestra dentro da sua pequenina caixa memorial.

Esta orquestra de aromas sempre fez parte de mim, aliás tal como todas as outras tradições festivas. Uma delas era a espera incessante para que um senhor rechonchudo, de bochechas mais redondas que cerejas vermelhinhas, de tanta a azáfama deste dia stressante, chamado Pai Natal chegasse de trenó e, convenientemente, me deixasse todas as prendas que cataloguei durante o ano, debaixo da árvore.

Falo também dos filmes, filmes que já toda a família vira e conhecera melhor o enredo do que o próprio significado do Natal, afinal de contas, o que é o Natal senão mais um dia no ano? Era precisamente aqui que pretendia chegar, qual é, para ti, o verdadeiro significado destes dois dias do ano?

O meu testemunho é, portanto, uma espécie de plasticina, que se vai moldando, à medida que os anos passam: o peixe servido à mesa é agora saboreado de forma mais madura, tal vinho do Porto, um encanto precioso que estagia décadas, que aguarda e aprimora com o passar do tempo. Cotejo esta mudança minha ao vinho do Porto, por ambos requerem tempo. Tempo de amadurecimento.

Pois bem, a listagem de presentes a comprar este ano será diferente: hei-de oferecer uma tesoura, para podar aquilo que nos impede de crescer e sonhar mais alto; talvez uma simples borracha para que, delicadamente, se apaguem da memória as piores lembranças; porventura uns óculos, de forma a enxergar melhor quem nos rodeia e ver que não aguardamos sozinhos; talvez umas agulhas de tricô, para tecer sonhos e mesclar um grande manto de quimeras e desejos; quiçá um relógio de cuco, perpétuo aviso que está sempre na hora de amar o próximo.

Uns sapatos com sola reciclável, feitos de moral e ética a fim de pisares com firmeza e segurança o chão que te ampara de futuras tristezas; presentear-te-ei com um espelho para que, quando as incertezas e inseguranças se apoderarem do teu lindo sorriso, tu o segures com toda a força e olhes bem fundo para o teu coração, e depois de o observares bem, veres, então, e perceberes o quão ornamentado e belo ele é.

Não contes com bonecas, com as dubiedades e medos que te cegam de veres o melhor que há em ti, conta antes com uma chave para abrires os horizontes e os portões da tua mente para que alegria, que outrora te tratava por “tu”, ressuscite e que ergas a candeia que te ilumina e sejas o teu próprio presente embrulhado com o maior laço que possas imaginar.

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