Não renováveis: Histórias raianas sobre a transição energética

A construção da Barragem do Lindoso, há três décadas, expulsou das suas terras a população de cinco aldeias galegas. Hoje, a proliferação de eólicos na Galiza ameaça a tranquilidade da pequena aldeia de Sendim, em Montalegre. Veja o documentário PÚBLICO/Xarda (Galiza).

Nos meses secos do verão, os baixos níveis da água na barragem de Lindoso, em Ponte da Barca, deixam a descoberto aquela que foi a casa de Mário e Margarida, que se situava num ponto alto de uma das aldeias que ficou submersa com as águas da albufeira. Já Juan Carlos não voltou a ver a casa onde passou a sua infância desde o que a casa se inundou: era dia 8 de Janeiro de 1992. Buscalque era a mais baixa das cinco aldeias que afundaram depois de a EDP ter fechado as comportas da barragem de Lindoso, no Parque Nacional Peneda-Gerês, que neste mês de Janeiro cumpre 30 anos desde que foi posta em funcionamento.

Numa visita ao gigante complexo hidroeléctrico do Lindoso, a EDP explica, ao PÚBLICO e à Xarda, que a barragem do Alto Lindoso se construiu num lugar onde “já existia uma pequena barragem” e dizem que a devido a “diversos condicionamentos técnicos” não era possível fazê-la noutro local. Quando questionados sobre as aldeias submersas, a EDP garante que “todas as actividades realizadas pela empresa em território espanhol foram supervisadas pelas autoridades espanholas, nomeadamente a Confederação Hidrográfica da Lima, a Xunta da Galiza [governo regional], a Deputação Provincial de Ourense, e os municípios de Lobios e Entrimo”. Ali estão 630 megawatt de potência total instalada.

Antiga aldeia de Aceredo, Ourense, quando o nível da água da albufeira voltou a trazer para a superfície a antiga aldeia. Outubro de 2021 Xarda
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Antiga aldeia de Aceredo, Ourense, quando o nível da água da albufeira voltou a trazer para a superfície a antiga aldeia. Outubro de 2021 Xarda

Um dos argumentos que se utilizou no momento a favor da construção da barragem foi a criação de emprego entre a população local. Segundo dados fornecidos pela EDP, para a criação da barragem foram contratados mil trabalhadores, durante um período de cinco anos. Ao dia de hoje trabalham ali oito, uma vez que todo o complexo é gerido hoje à distância, com recurso às modernas tecnologias. Também é referido um significativo número de empregos indirectos criados, mas três décadas depois as populações dizem que a barragem não trouxe o impulso à região de que lhes falaram.

Hoje já não se tiram populações das suas casas para construir barragens, mas com os novos projectos de transição energética, que implicam a construção de minas de lítio ou de parques eólicos, a vida de muitos no mundo rural atravessa períodos de sobressalto, em terras cada vez mais despovoadas.

A fronteira entre Baltar e Montalegre é praticamente imperceptível. Do lado galego situa-se a vila de San Martiño, e do português a pequena aldeia de Sendim. Entre ambas: monte. Um monte em que estão neste momento projectados três projectos eólicos. O de San Martiño, gerido pela Iberdrola, e os de Mistral e Tramontana, pertencentes à empresa Four Winds Investco, financiada com fundos de capital risco. Os dois últimos aparecem no registo eólico galego e o projecto a linha de alta tensão que servirá para retirar a energia dos parques é público. Ao somar os parques activos e projectados, na zona contabilizam-se um total de uma centena de aerogeradores e duas linhas de alta tensão com mais de 30 quilómetros. Apesar de o projecto se localizar no lado galego, a aldeia mais afectada é a de Sendim, em Montalegre.

Em Sendim, a tranquilidade envolve a aldeia, cujas casas se espalham por uma ladeira quase labiríntica para quem desconhece o lugar. Caminhando pela aldeia mais alta do país encontramos uma mulher que se diverte a olhar através de uma janela, uma rapariga conduzindo um tractor por caminhos estreitos e um vizinho que decidiu colocar uma canção de Natal como música da campainha da porta da sua casa, mesmo estando em pleno Agosto. Cada vez que soa, a música rompe o silêncio.

Até ao passado mês de Setembro, os vizinhos de Sendim desconheciam a existência destes projectos eólicos que deverão ser construídos no cimo da vila —​ apesar de a Câmara de Montalegre afirmar ter conhecimento do projectos. Apesar de desconhecido então em Portugal, a informação já se tinha publicado em vários meios de comunicação galegos e na web da Xunta de Galiza.

Depois de o PÚBLICO e a Xarda terem denunciado o caso em Setembro, os concelhos de Baltar e Montalegre organizaram uma reunião informativa entre autarcas. A plataforma STOP Eólicos, que na Galiza tem mantido um tom crítico à pouca informação pública que estes projectos têm, critica o obscurantismo que envolve estas instalações e a nula participação vizinhal.

A Xunta da Galiza recusou o nosso pedido de entrevista presencial, pedindo que as perguntas fossem enviadas por escrito. Entretanto já está em consulta pública o Parque Eólico San Martiño e a sua linha de alta tensão até ao parque de Larouco, contra o que se pode alegar até o próximo 13 de Janeiro de 2022.


Este documentário faz parte da série “Fim de Linha”, elaborado em conjunto pelo PÚBLICO (Portugal) e pela Xarda (Galiza). A série contou com o apoio do programa de bolsas da NewsSpectrum.

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