Residências estudantis e desenvolvimento do Interior

Este é daqueles episódios em que a visão do país a partir do Terreiro do Paço é totalmente contrária ao interesse do país como um todo.

O braço-de-ferro que, segundo o PÚBLICO, está em curso no Governo por causa do dinheiro do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) para as residências de estudantes, atinge mais duramente os politécnicos do Interior.

Em causa está promessa de Manuel Heitor, ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, e do seu secretário de Estado João Sobrinho Teixeira – ratificada publicamente pelo primeiro-ministro António Costa – de que os 375 milhões de euros previstos no PRR para residências estudantis em todo o país seriam distribuídos às universidades e politécnicos a título de subvenções, ou seja, a fundo perdido. Segundo o PÚBLICO, o ministro das Finanças, João Leão, recusa-se a publicar a portaria que permitiria avançar com a construção das residências, uma vez que sustenta que esse dinheiro só deve ser disponibilizado a título de empréstimo.

Este é um daqueles episódios em que a visão do país a partir do Terreiro do Paço é totalmente contrária ao interesse do país como um todo. Portugal inteiro precisa de uma população com mais qualificações: só em 2020 ultrapassou a fasquia de 50% dos jovens a frequentar o ensino superior, enquanto os países da Europa desenvolvida há décadas que têm entre 70% a 80% dos jovens a concluírem a sua formação em politécnicos e universidades.

É no Interior que essa qualificação dos recursos humanos é mais necessária – e mais urgente! Neste interior que todo o país político jurou apoiar em 2017, na sequência dos funestos incêndios florestais desse ano.

Perceba-se o que passa no Interior e, concretamente, no Instituto Politécnico da Guarda (IPG). Devido ao seu dinamismo recente, nomeadamente ao lançamento de novas licenciaturas em Biotecnologia Medicinal, Mecânica e Informática Industrial ou Desporto, Condição Física e Saúde, o Politécnico da Guarda foi em 2020 a instituição de ensino superior que percentualmente mais cresceu em todo o país em número de alunos colocados (40,93%) tendo em 2021 voltado a aumentar o número de alunos.

O problema é, tal como aconteceu em 2020, entre 250 a 300 jovens não encontraram na Guarda alojamento condigno a preços acessíveis e acabaram por se matricular noutras paragens. Se o IPG tivesse as residências de que precisa, esses estudantes estariam nos cursos da sua primeira escolha e a Guarda, uma cidade de montanha, teria essa injeção de sangue novo de que tanto precisa.

Ora, se não há subvenções do PRR para fixar 300 jovens por ano na Guarda através de residências estudantis, então o PRR é alheio (para não dizer inimigo) ao desenvolvimento do Interior!

O IPG não tem de pagar empréstimos para ter mais alunos. “A Universidade de Lisboa”, afirmou o seu reitor, Luís Ferreira, “não tem os recursos financeiros necessários para executar a obra sem o acréscimo de financiamento público que temos a expectativa que venha a resultar do PRR”. Se a maior universidade do país não tem recursos, imagine-se um Politécnico como o da Guarda, com escolas divididas em duas cidades (Guarda e Seia) e um grande número de projetos ministrados “in loco” em diferentes municípios da região...

O que subjaz ao braço-de-ferro do Governo é o mesmo espírito que impregna um estudo lamentável publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos que há semanas propôs “uma aposta económica no litoral”. Liderados por Fernando Alexandre, da Universidade do Minho, os autores propõem a aposta nas “regiões-estrela” do litoral onde se “concentram universidades e centros de investigação de excelência, capital humano altamente qualificado”.

Que as regiões do litoral, polarizado por Lisboa e Porto, concentram muitos mais recursos e massa crítica toda a gente sabe. O problema é que o desequilíbrio territorial que isso provoca é mau para o conjunto do país, a começar pelas próprias áreas metropolitanas, como qualquer autarca pode explicar.

Tal como os países europeus já demonstraram (a começar por Espanha), o desenvolvimento nacional beneficia do equilíbrio de prosperidade entre as diferentes regiões. As residências estudantis podem ser um ótimo passo para promover esse equilíbrio em Portugal.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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