Nos livros e na TV, Maria de Oliveira Dias quer mostrar que a comida vegana é “fácil, divertida e supersaborosa”

Tornou-se vegetariana aos 12 anos, quando, ao descobrir aquela nova palavra, percebeu que havia outros que, tal como ela, não queriam ter animais no prato. Três livros depois, Maria de Oliveira Dias tornou-se a cara do Veggie, o primeiro programa vegano da televisão portuguesa. E já sonha com uma segunda temporada.

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Maria de Oliveira Dias guarda sempre a última página dos cadernos e agendas, onde “anota tudo” “desde sempre”, para apontar uma lista de desejos. “Tenho passado de ano para ano ‘fazer um programa de televisão vegan”, recorda. Agora pode riscá-lo ou acrescentar: Gravar uma segunda temporada.

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Maria de Oliveira Dias guarda sempre a última página dos cadernos e agendas, onde “anota tudo” “desde sempre”, para apontar uma lista de desejos. “Tenho passado de ano para ano ‘fazer um programa de televisão vegan”, recorda. Agora pode riscá-lo ou acrescentar: Gravar uma segunda temporada.

O Veggie, o primeiro programa vegano da televisão portuguesa, estreou-se a 5 de Outubro e, ao longo de oito episódios (o último foi para o ar nesta terça-feira, com repetição quinta, sábado e domingo, estando todos os episódios igualmente disponíveis no site da SIC Mulher), procura desmistificar o tema, com receitas “que toda a gente consegue fazer, em qualquer sítio, o mais sazonal e local possível”, e convidados que alargam a temática para além da culinária, falando de moda, hortas urbanas, bem-estar ou redução do desperdício.

“Sonhava fazer um programa de televisão há imenso tempo ou, pelo menos, participar num, porque acho uma maneira muito perfeita de comunicar que o veganismo é uma coisa simples e que pode ser divertido e leve.” É essa a tónica do Veggie: passar ao largo de fundamentalismos ou mensagens mais catastrofistas e, “sem pesos”, inspirar quem queira cozinhar comida vegana, quebrando alguns dos mitos que mais persistem, como ser caro, utilizar muitos ingredientes ou difíceis de encontrar, ser muito complicado e demorar muito tempo a confeccionar. Não se procuram espectadores que, da noite para o dia, deixem de consumir produtos de origem animal, de produzir lixo, de comprar roupa: “Se cada pessoa, na sua imperfeição, fizer o melhor que pode, é espectacular.”

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Foi através de um casting que Maria de Oliveira Dias, de 39 anos, foi seleccionada para apresentar o Veggie (Lembro-me de que, no dia em que recebi o email [a dizer que tinha sido escolhida], estava no Jardim da Parada [Lisboa]. Caiu-me tudo.”) Mas não entrou “de pára-quedas” neste mundo.

Quando tinha 12 anos, uma prima contou-lhe que se tinha tornado vegetariana e foi assim que descobriu não só que existiam outros como ela, como até havia uma palavra para definir aquilo que queria ser há tanto tempo. “Nunca mais comi carne nem peixe”, recorda. “A minha mãe levou para aí um ano a ver se ainda conseguia fazer-me mudar de ideias.” Mas Maria “escondia, fingia que comia e dava ao cão, punha debaixo do guardanapo”. “Metia-me imensa confusão ter de comer um animal. Não era porque não gostava do sabor, era mental. Não conseguia pensar que um animal tinha morrido para eu comer e achava absurdo isso ter de acontecer.”

Tornar-se vegana foi um passo natural, há uns 13 anos, que só não veio mais cedo porque esbarrava sempre na falta de opções quando comia fora. “Uma sandes com queijo ou uma omelete eram fáceis de encontrar em todo o lado.” Mas quando começou a ler mais sobre a indústria dos ovos e dos lacticínios, “jurou nunca mais contribuir com um cêntimo para aquilo que faziam”, ainda sem saber muito bem como os substituir. “É mesmo engraçado, é uma questão de mindset.” A convicção obrigou-a a procurar alternativas e, de repente, havia “tantos outros sabores e texturas que não exploramos devidamente”. “Achei que tinha de contar isto a todas as pessoas”, ri-se. Assim nascia o blogue The Love Food, em 2010, com as receitas veganas que fazia em casa.

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Maria de Oliveira Dias tornou-se vegetariana aos 12 anos Daniel Rocha

Quando estudou teatro em França, descobriu “que a arte tinha poder”, que podíamos passar mensagens e melhorar a humanidade através do palco, que não era só entretenimento”. Foi esse “poder da mudança” que a fez escolher a carreira de actriz, depois criar o blogue e, quatro anos mais tarde, pôr a carreira em stand by (“não me sentia completamente satisfeita” a fazer personagens que “não me diziam nada, que não acrescentavam nada a quem estava a ver”) para abrir uma empresa de comida vegana embalada.

“Foi a loucura, porque houve o boom das mercearias biológicas e dos restaurantes vegan, começou-se a falar de vegan nessa altura e explodimos de muito trabalho”, recorda. No entanto, “há uma grande diferença entre ser empreendedor e empresário”. Tornava-se cada vez mais difícil “manter as coisas, continuar a ser criativa tendo uma empresa toda às costas, gerir pessoas, criar receitas novas, um filho recém-nascido”. Em 2018, surgiu a oportunidade de vender a empresa (tinha o mesmo nome do blogue) e aproveitou-a.

No mesmo ano, lançou o segundo livro, Cozinha Vegana para Bebés, Crianças e Famílias Saudáveis, resultado da experiência pessoal com o filho, que começava a comer e Maria “não sabia o que lhe dar” para fugir “àquelas papas industrializadas”. No livro, encontram-se respostas — e receitas — para quem, como ela, quer dar comida “supersaudável” e vegana aos filhos desde pequenos ou quem, como a mãe, se vê a braços com uma criança que se recusa a comer produtos de origem animal.

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“Ainda vejo mães que não sabem o que hão-de fazer porque parece que falta alguma coisa quando tiramos a carne ou o peixe do prato. Nos últimos 50 anos, crescemos a ouvir que a carne e o peixe é que dão força e tirar isso faz com que só haja acompanhamentos, em geral muito pouco nutritivos, como batata, arroz ou massa.” No entanto, é muito mais aquilo que fica do que aquilo que sai do prato, relembra. “E há tanta variedade de coisas que podemos comer, milhões de maneiras de cozinhar e é tudo tão simples, saboroso e prático, que é mesmo uma questão de ir experimentando e de abrir um bocadinho a cabeça desse binómio.”

A verdade é que há cada vez mais veganos e vegetarianos em Portugal e “uma evolução muito grande” no número de opções em restaurantes e supermercados. Aos poucos, vai deixando de ser visto como uma coisa de gente alternativa.

“Lembro-me de que, quando abri a empresa, as minhas primeiras etiquetas não diziam que era vegan, porque achava que ninguém ia comprar só porque dizia que era vegan”, recorda. Nos pacotes de bolachas, barras energéticas e outros produtos embalados lia-se “100% vegetal” e “em pequenino”. Por isso, diz ser “incrível” que, em dois anos, tenha saltado da omissão da palavra para “estampá-la na capa” de Os Básicos da Cozinha Vegana, o primeiro de três livros publicados (e entretanto reeditado com o nome O Livro da Cozinha Vegana, pela editora Nascente, em 2019). “E agora estamos a falar do primeiro programa de televisão vegan.”

Não tem dúvidas de que será “cada vez mais mainstream”. “Não é uma dieta ou forma de comer, é um estilo de vida mais compassivo e que respeita todas as criaturas, que também é mais saudável e que está provado ser importante ou fundamental, por exemplo, para combater as alterações climáticas”, resume. “É comer aquilo que a terra e o mar nos dão, de uma forma supernatural e que o corpo recebe muito bem. Não estamos a inventar nada. Existe veganismo desde a Grécia Antiga e vai continuar a existir. Espero que cada vez mais.”