Portugueses continuam com dificuldade em reportar más práticas éticas

A grande razão para não reportar é a ideia de que não há consequências, de que nada acontece por alguém ter assumido o risco de denunciar.

Os resultados globais do mais recente estudo Ethics at Work revelam uma boa notícia: nos 13 países abrangidos as organizações parecem ter sido capazes de responder bem aos novos desafios éticos com que fomos confrontados no período da pandemia. A maioria dos trabalhadores inquiridos na pesquisa do Institute of Business Ethics (IBE), cuja componente portuguesa é desenvolvida pela segunda vez com o apoio do Fórum de Ética da Católica Business School, afirma não ter notado nesse período alterações no comportamento ético das suas organizações e 37% consideram que até melhorou. 

Como preocupações éticas para o futuro, sinalizadas pelos trabalhadores e talvez também influenciados pelo contexto covid-19, surgem o uso da inteligência artificial e o respeito pela diversidade, cuja necessidade, o trabalhar a partir de casa tornou mais visível.

Relativamente a Portugal, o primeiro resultado que salta à vista é que os portugueses continuam com muita dificuldade em reportar más práticas, mesmo mais dificuldade do que tinham expressado na última edição do estudo em 2018. De facto, em 2018, 51% dos trabalhadores portugueses que tinham observado más práticas éticas no local de trabalho tinham sido capazes de as reportar e este ano a percentagem fica pelos 46%, uma das mais baixas dos países estudados. A dificuldade portuguesa é ainda mais notória nas mulheres que só em 35% reportam uma má prática observada.

Estes dados fazem desencadear a pergunta: porque é que temos tanta dificuldade em falar? Refere-se o peso histórico da palavra denúncia e algumas empresas escolheram já outras palavras: reportar, sinalizar... mas a grande razão para não reportar é, de acordo com o referido no estudo, a perceção de que não há consequências, de que nada acontece por alguém ter assumido o risco de reportar.

A chave para o reporte de más práticas parece estar na confiança, provar que vale a pena. E em relação a esse aspeto, o estudo, em termos globais, apresenta pistas muito claras: quando comparamos os resultados relativamente ao reporte de más práticas de organizações com um programa de ética (com código, canal confidencial, aconselhamento e formação) com os de organizações sem esse tipo de programa, verificamos que, nas primeiras, 72% de quem presenciou más práticas sente-se com coragem para as reportar, contra 36% nas segundas. E, quanto à satisfação com os resultados dessas reclamações, a perceção é de que valeu a pena, com a diferença de 80% para 26%.

Esta relevância da existência de mecanismos para fomentar o reporte de más práticas está muito em linha com o defendido na diretiva europeia relativa ao whistleblower que deverá estar transposta em Portugal até ao próximo 21 de dezembro e que pretende promover e normalizar os canais de denúncia em organizações públicas e privadas, com mais de 50 trabalhadores (ou um volume de negócios anual ou ativos totais de mais de 10 milhões de euros).

São muitos os resultados sobre os quais vale a pena refletir:  que más práticas são observadas, que pressões sentem os trabalhadores, como avaliam as suas chefias relativamente à ética, que diferenças de perceção existem em função da idade ou do género. Vale a pena refletir para poder tomar as medidas adequadas e melhorar.

As autoras escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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