Retórica marcelista

O homem que sempre disse que a estabilidade é um valor central do funcionamento do sistema democrático, veio agora desestabilizá-lo, criando uma regra que nunca existiu.

É o pior das crises políticas: esta encenação retórica vazia naquilo a que habitualmente se chama debate político. A de Marcelo, por exemplo, esse híbrido de Presidente e comentador político, quando desata a falar de estabilidade, de clareza, como se fossem conceitos óbvios e semanticamente inequívocos, para depois desatar a fazer o contrário do que eles significam. Não é que os demais não façam o mesmo, mas Marcelo é um caso especial: é, mais que a maioria dos seus pares, o típico enunciador, introduzindo palavras e narrativas que pretendem tornar-se regras, sem que a Constituição reconheça ao Presidente a possibilidade de inventar realidade. Aquele que foi o mais famoso criador de factos políticos pretende ser, em rigor, o produtor daquilo a que Pierre Bourdieu e Luc Boltanski chamaram o “discurso dominante”, ou seja, “um discurso [político] poderoso, não verdadeiro, mas capaz de parecer verdadeiro (...) por fazer surgir aquilo que anuncia, em parte pelo simples facto de o enunciar” (La production de l'idéologie dominante, 1976). É esta dimensão retórica da representação política que agrada a Marcelo.

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