Governo arranca amanhã com projecto que regista interferências de lóbis nas leis

Documento cria o Registo da Pegada Legislativa que obriga à anotação de todas a interacções com entidades externas que ocorram no âmbito da preparação de um projecto de diploma e integra a Estratégia Nacional Anticorrupção.

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O combate á corrupção é um dos ojectivos do projecto Pascal Lauener

Foi nesta quarta-feira publicado em Diário da República o texto que estabelece e define o projecto-piloto da chamada “pegada legislativa” no âmbito do procedimento legislativo governamental. Um projecto que pretende detectar a intervenção ou interacção de entidades externas num procedimento legislativo do Governo, nomeadamente dos chamados lóbis de interesses, e que entra em vigor esta quinta-feira. 

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Foi nesta quarta-feira publicado em Diário da República o texto que estabelece e define o projecto-piloto da chamada “pegada legislativa” no âmbito do procedimento legislativo governamental. Um projecto que pretende detectar a intervenção ou interacção de entidades externas num procedimento legislativo do Governo, nomeadamente dos chamados lóbis de interesses, e que entra em vigor esta quinta-feira. 

O projecto-piloto, que integra a Estratégia Nacional Anticorrupção 2020-2024 aprovada este ano pelo Governo, tem, para já, um período experimental de um ano e cria o Registo da Pegada Legislativa (RPL).

“O RPL permite que a área governativa proponente inscreva numa única sede todas as interacções com entidades externas que ocorram no âmbito da preparação de um projecto de diploma e da subsequente tramitação no procedimento legislativo do Governo, bem como o processo e resultado de consultas directas ou de consulta pública”, diz o diploma do Governo.

No RPL devem ser registadas “todas as interacções com entidades externas ao procedimento legislativo governamental”, designadamente as respeitantes “ao envolvimento de pessoas interessadas, singulares ou colectivas, nacionais ou estrangeiras”.

Devem ainda todas as pessoas que “prestem assessoria técnica em qualquer etapa da fase de elaboração e redacção normativa no âmbito da preparação e tramitação de um projecto de acto legislativo”.

Deve também “constar sempre” no RPL “a origem do anteprojecto de acto legislativo”, designadamente “se o mesmo foi elaborado por organismos da Administração Pública, por gabinetes dos membros do Governo ou com recurso a serviços externos”.

O diploma estabelece também “que nos casos em que o anteprojecto de acto legislativo seja elaborado por organismos da Administração Pública ou com recurso a serviços externos”, devem “estes indicar ao gabinete do membro do Governo proponente todas as interacções”.

O projecto-piloto será acompanhado pela secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros em articulação com o gabinete do secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros.

Passado o ano experimental, o projecto será avaliado pelo Conselho de Ministros, com base num balanço que deverá ser apresentado pelo membro do Governo responsável pela área da Presidência do Conselho de Ministros, em articulação com o membro do Governo responsável pela área da Justiça.

“À mercê de interesses privados”

Em 2020 a Associação Cívica Transparência e Integridade publicou um documento, denominado “Pegada Legislativa, um Guia Para Leis Transparentes”. No texto, a associação considera que o lóbi “é uma parte integrante de uma democracia saudável, intimamente ligado a valores universais como a liberdade de expressão e o direito de petição junto a órgãos de poder”. Porém, acrescenta que, quando a influência é indevida “pode fazer com que políticas e legislação fiquem à mercê de interesses privados em vez do interesse público”. “Este é um risco particularmente relevante quando estão em causa grandes empresas com muitos recursos”, salienta.

“É necessário que o lóbi na União Europeia [UE] se torne mais transparente e aberto ao escrutínio público. Os decisores políticos da UE devem, por isso, coligir e divulgar informações completas sobre quem influencia quem nos processos de tomada de decisão da UE, de forma a garantir equidade para todos os representantes de interesses, resultando assim em peças legislativas equilibradas”, defende o texto.

Essa maior transparência, é ainda escrito, “contribuirá para assegurar que a legislação respeita o interesse público no seu âmago e que os riscos de corrupção, conflitos de interesse e captura regulatória são minorados”.

A associação congratula-se com os esforços que têm sido feitos pelo Parlamento e pela Comissão Europeia para regular as boas práticas. No entanto, diz que estas iniciativas “continuam aquém dos passos necessários para criar uma pegada legislativa na UE”.

Por isso, recomenda a estas instituições “que registem e divulguem todas as contribuições entregues por lobistas/representantes de interesse relativas a projectos de políticas públicas, leis e alterações legislativas”.

A Transparência e Integridade é “braço” português da organização internacional como o mesmo nome que é a representação em Bruxelas que luta contra a corrupção.