Comissão da Transparência aprova novo regime do lobbying pouco transparente

Na versão do diploma aprovado nesta terça-feira na comissão, os lobistas não precisarão de revelar que interesses estão a defender. Essa regra era tida como fundamental para assegurar a transparência dos processos. PSD absteve-se na votação do diploma por ser contra a regulamentação da actividade de lobista.

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Nuno Ferreira Monteiro

O novo regime da representação de interesses privados junto de entidades públicas, o chamado lobbying, foi aprovado nesta terça-feira na Comissão da Transparência, mas sem algumas regras fundamentais que iriam assegurar que os processos de influência dos lobistas junto dos decisores políticos fossem feitos com… transparência. Pela nova lei, ninguém saberá quem é que os lobistas representam.

Todas as entidades que se dedicam à representação de interesses terão de se registar enquanto tais junto das entidades públicas – como o Parlamento, o Governo, as entidades reguladoras, a administração directa e indirecta do Estado e os diversos níveis da administração pública -, e indicar os principais interesses que representam. Só assim poderão ter acesso a elas.

Porém, ao contrário do que se propunha no texto que agregava as propostas do CDS, PS e PSD – e que foi agora alvo de alterações -, as entidades que se dedicam ao lobbying não precisarão de indicar quem representam (os seus três principais clientes) quando se registam nessa base de dados nem quando marcam audiências com as entidades públicas. Estas obrigações foram chumbadas por Bloco e PCP – que votaram contra todo o diploma – e pelo voto determinante do PSD (que se absteve na larga maioria dos artigos).

“Estamos a eliminar a transparência da actuação dos lobistas”, avisou o deputado Paulo Trigo Pereira quando o assunto foi votado pela primeira vez numa proposta de alteração. “Esta é a peça que exige que se diga que interesse vem representar; é a questão fundamental e uma norma indispensável ao regime. [Ficar sem ela] põe em causa o diploma”, reiterou o socialista Pedro Delgado Alves numa segunda votação. “Abdicámos de regular detalhadamente a actividade, mas ela existe e é lícita. Esta seria a forma de garantir que não há opacidade”, acrescentou, prometendo obrigar a uma nova votação em plenário. Mas o PSD não recuou e votou contra tais obrigações.

No final da votação, o deputado social-democrata Álvaro Baptista justificou o sentido dos votos do PSD alegando que o partido “é contra a regulamentação da actividade profissional de representação de interesses e contra a criação de um estatuto do lobista profissional”. Apesar de a discussão destas matérias já levar três anos – e de o Governo de Passos Coelho ter admitido a regulamentação do lobbying -, o PSD é agora contra a actividade e defende que este mecanismo de registo “merecia mais reflexão e discussão”.

Houve outras obrigações que serviam também como garante de transparência e que acabaram por ficar pelo caminho, como a proibição de os lobistas usarem o registo como factor de valorização comercial ou publicitária para se mostrarem próximos do poder ou a obrigação de se identificarem como lobistas quando participarem em conferências ou outros eventos organizados por entidades públicas. Um dos objectivos do novo regime é tornar o processo de decisão legislativo mais transparente, tornando públicos os contributos para a elaboração das leis. Porém, o texto admite a excepção de se manter o sigilo sobre os contributos e os contactos com lobistas até ao fim do processo legislativo, se se decidir que o assunto merece esse dever de confidencialidade.

“Não digo que estamos a legalizar o tráfico de influências, mas estamos em vias de legalizar uma actividade que se pode aproximar disso, não temos dúvidas”, apontou, por seu lado, o comunista António Filipe, acrescentando que as regras aprovadas permitirão que “a actividade de lobista seja exercida de forma profissional, oferecendo serviços no mercado de influências”. O bloquista José Manuel Pureza alinhou na ideia de que, apesar de o texto não falar em representação “profissional”, na verdade acaba por regulamentar a actividade.

O CDS, o PS e o social-democrata Duarte Marques preferiram destacar o “processo inovador” e a aproximação das entidades públicas portuguesas ao funcionamento de instituições europeias como o Parlamento Europeu, e defenderam que se deveria “ter ido mais longe”. Por isso, o CDS, pioneiro na proposta, já está mesmo a pensar na “avaliação” do que ficará na lei e “revisitar” o diploma (que só entra em vigor a 1 de Janeiro de 2020).

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