O autoconsumo coletivo como oportunidade perdida do OE22?

O autoconsumo coletivo de energia pode ser a resposta mais viável a crises, mas mais do que isenções é preciso investimento. O arranque financeiro dos projetos necessita disso e também do envolvimento de parceiros do setor público.

O desenvolvimento e a inclusão são essenciais no tabuleiro da transição energética, mas há uma peça-chave que precisa de ser movimentada com mais força: a das comunidades de energia, em que os consumidores são também potenciais produtores e vendedores de energia limpa e mais barata, o que não pode deixar de ser sublinhado num contexto de crise de preços de electricidade. Segundo as melhores estimativas, vai perdurar, pelo menos, até março e, após essa data, embora desçam, o mais provável é que se situem num nível acima dos valores históricos que conhecemos.

Este Governo merece o reconhecimento de diversas medidas que pretendem assegurar que Portugal continua a assumir a liderança da transição energética e, em particular, no domínio das comunidades de energia. Aguarda-se para breve boas notícias com a melhoria do enquadramento legal, tendo em vista agilizar o processo de criação e gestão, e com isto assegurar uma aceleração da implementação das comunidades de energia e dos seus benefícios pelos participantes.

Ainda assim, vale a pena olhar para a proposta de Orçamento do Estado para 2022 (OE2022),  destacando medidas francamente positivas e apontando possíveis alterações que permitam aos portugueses beneficiarem de electricidade mais limpa e mais barata o mais rapidamente possível – e sem agravar o défice tarifário, o que graças à proposta da ERSE parece assegurado para 2022.

A proposta de OE2022 isenta a eletricidade produzida para autoconsumo a partir de fontes de energia renovável do pagamento do imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos (limitado a 30 quilowatts de potência instalada). É uma excelente notícia. Paralelamente, também se procuram simplificar os procedimentos associados ao autoconsumo, com o Governo a propor introduzir mecanismos de autofaturação e autoliquidação do IVA nos casos de transmissões do excedente de eletricidade produzida. Outra excelente notícia.

Seria possível dar mais boas notícias aos portugueses neste domínio? Deveria o Governo ponderar reforçar ainda mais a promoção do autoconsumo coletivo através das comunidades de energia, em linha com as metas da descarbonização?

A recente escalada dos preços da energia no mercado grossista lembra-nos que uma crise pode estar sempre ao virar da esquina. E já diz o ditado que “mais vale prevenir do que remediar”. Para antecipar potenciais problemas, o autoconsumo coletivo pode ser a resposta mais viável, mas mais do que isenções é preciso investimento. O arranque financeiro dos projetos necessita disso e também do envolvimento de parceiros do setor público, como a Administração Local, e do setor privado. Porque as comunidades de energia pressupõem um envolvimento transversal da sociedade, a cidadania será um fator-chave para o empoderamento energético das populações, até porque todos podem beneficiar da redução da fatura e da pegada carbónica.

Em Espanha, as comunidades de energia estão a ser encaradas como as novas protagonistas do Plano de Recuperação, Transformação e Resiliência, que vai gerir os fundos europeus Next Generation EU. No total, há 100 milhões de euros para impulsionar a sua implementação, promovendo a energia e os benefícios de proximidade, com preços mais baixos para cidadãos e entidades envolvidas.

Recentemente, a Comissão Europeia também definiu medidas a médio prazo para serem criados sistemas de energia resilientes e cumpridas as metas da descarbonização. Por um lado, devem crescer os investimentos, leilões e processos de licenciamento em energias renováveis; por outro, há a necessidade de impulsionar o papel dos consumidores no mercado de energia, capacitando-os de forma a poderem escolher e trocar de fornecedores, gerarem a sua própria eletricidade e fazerem parte de comunidades de energia.

Estas medidas podem ajudar na resposta a situações como vivemos de aumento dos preços da energia no mercado grossista, que são consequência de uma situação global excecional. Mas, sobretudo, vão permitir uma transição energética justa, sustentável e inclusiva, contribuindo para uma maior independência energética dos países e dos seus consumidores.

Eu acredito em boas surpresas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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