110 Histórias, 110 Objectos: o meteorito de São Julião de Moreira

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos, do Instituto Superior Técnico, é um dos parceiros da Rede PÚBLICO.

No podcast 110 Histórias, 110 Objectos, um dos parceiros da Rede PÚBLICO, percorremos os 110 anos de história do Instituto Superior Técnico (IST) através dos seus objectos do passado, do presente e do futuro. Neste 16.º episódio do podcast, mergulhamos na história do meteorito de São Julião de Moreira.

Não se sabe quando este corpo celeste entrou na atmosfera da Terra mas é possível imaginar o momento, fazendo um paralelo em relação a outros meteoritos. Uma entrada “provavelmente com grande impacto, formando uma cratera de impacto, bastante ruído, possivelmente uma explosão”, arrisca Zita Martins professora do IST e investigadora na área da astrobiologia no Centro de Química Estrutural. “Tudo o que acontece com este tipo de meteoritos”, resume. Todos têm a chamada crosta de fusão, uma camada de cerca de 1 ou 2 milímetros queimada, muito escura, provocada pela entrada na atmosfera, que queima a sua parte exterior. Geralmente o que acontece é que ao entrar na atmosfera terrestre e antes de pousar na superfície, o grande pedaço de rocha desintegra-se. “Este meteorito inicialmente tinha 160kg, o que vemos aqui não é de todo isso, é apenas um pedaço”.

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O meteorito de São Julião de Moreira Débora Rodrigues

Sabemos que este meteorito foi descoberto em 1877 por um lavrador, quando andava no campo a trabalhar na povoação de São Julião de Moreira, perto de Ponte de Lima, distrito de Viana do Castelo - daí o seu nome de baptismo. No entanto, “pode ter caído há séculos ou milhares de anos. Sabemos que foi descoberto a cerca de 1,40m de profundidade, o que para um solo naquela região representa algumas dezenas de milhares de anos”, explica Manuel Francisco, professor do IST, onde também é director dos Museus de Geociências. E também sabemos que o dono do terreno “ganhou três contos de reis pela venda, o que era um balúrdio à data”. Muitos pedaços do meteorito estão hoje distribuídos por museus de todo o mundo, incluindo o Vaticano.

É num dos dois Museus de Geociências do IST, o Museu Décio Thadeu, que se encontra este meteorito especial. Falamos de um objecto extraordinário, muito cristalino, e uma inspiração para cineastas e produtores, nas palavras de Manuel Francisco. E de um meteorito denso, com um interior muito bonito em que se adivinha um padrão do entrelaçado entre ferro e níquel, como adivinha Zita Martins.

É especial também por ter sido estudado por Alfredo Bensaúde, primeiro director do Instituto Superior Técnico (1911-1920) e doutorado em Engenharia de Minas. Como nos explica Manuel Francisco, o meteorito chegou originalmente ao Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, instituição que viria a dar origem ao IST. “Na altura em que o seu nome é sugerido para estudar o meteorito, ele estava a fazer provas para ser admitido como professor nesse instituto”. “É interessante ver que o Bensaúde foi um visionário em muitos aspectos, também pioneiro na análise de um meteorito. Há dados que ele publicou (em 1889) que mostram o estudo deste meteorito e incluem a primeira referência ao uso de microscópio para observar meteoritos em Portugal. Outros cientistas de outras partes do mundo também analisaram este meteorito e as análises coincidem todas. É de uma beleza enorme ver o que as análises de pedaços diferentes do mesmo meteorito coincidem”, complementa Zita Martins.

Mas o que define um meteorito? São rochas extraterrestres muito antigas, algumas delas do tempo da formação do nosso sistema solar. Ou “pedaços de história do nosso sistema solar, de todos nós, da origem da vida” e “máquinas do tempo” como Zita Martins gosta de descrever. A maior parte dos meteoritos vem de asteróides – de uma conhecida cintura de asteróides entre Marte e Júpiter e entram no campo gravitacional da Terra na sequência de colisões entre si. Quando “temos a sorte” dessas rochas sobreviverem à entrada através da atmosfera e conseguirem pousar na superfície do nosso planeta, então aí sim temos um meteorito. Há algumas excepções: meteoritos que vieram da Lua e de Marte. E outras coisas completamente diferentes: meteoros, as chamadas estrelas cadentes, que são rastos de luz de poeira que arde na atmosfera e por isso projecta essa luminosidade.

Aos Museus de Geociências do IST, e seu laboratório, onde fazem análise mineral e rochas, continuam a chegar, por via não científica, dezenas de alegados meteoritos para analisar. Nunca o são. “Dou cabo dos sonhos das pessoas. Já desiludi muita gente”, resume Manuel Francisco.

Quanto ao Meteorito de São Julião de Moreira e tudo o que ainda não se sabe sobre ele, talvez ainda venha a ser descoberto por futuros alunos do IST. “Estamos a estudar meteoritos semelhantes a este”, explica Zita Martins. “Este especificamente ainda não analisei, analisei o irmão gémeo, quase. Tem a ver com o que eu quero encontrar. No grupo de astrobiologia que temos aqui no Técnico, estamos muito interessados em tentar detectar moléculas orgânicas que sabemos que compõem a célula, que é a unidade básica da vida, e perceber como é que surgiu a vida na Terra. Por outro lado, estamos também interessados em estar envolvidos em várias missões espaciais e tentar perceber a química que existe em determinados corpos celeste muito primitivos, como asteróides, cometas, etc”, complementa. Tudo isso feito num “lugar de sonho” assim resumido: “Estar numa universidade que tem um museu que tem um meteorito”.

O podcast 110 Histórias, 110 Objectos é um dos parceiros da Rede PÚBLICO. É um programa do Instituto Superior Técnico com realização de Marco António (366 ideias) e colaboração da equipa do IST composta por Filipa Soares, Sílvio Mendes, Débora Rodrigues, Patrícia Guerreiro, Leandro Contreras, Pedro Garvão Pereira e Joana Lobo Antunes.

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