OMS apresenta receita com dez pontos para combater alterações climáticas

É preciso agir já e agora, com a saúde no centro das negociações relacionadas com a acção climática, alertam os profissionais de saúde. Relatório especial para a COP26 é acompanhado de carta assinada por representantes de 45 milhões de profissionais de saúde a exigir acção ambiciosa

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MHJ/Getty Images

Uma carta assinada por representantes de 45 milhões de médicos e outros profissionais de saúde e um relatório especial da Organização Mundial da Saúde (OMS) apelam a que os decisores presentes na COP26 (Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas), que decorre em Glasgow na primeira quinzena de Novembro, coloquem a saúde no centro das negociações e que actuem já e com a máxima ambição possível, para combater as alterações climáticas. Com os dois documentos a salientarem que elas são “a maior ameaça à saúde da humanidade”, os profissionais avisam que sem uma mudança drástica, de sectores inteiros, e sem uma cooperação a todos os níveis, não será possível manter o aumento de temperatura nos 1,5 graus Celsius acima dos valores pré-industriais, como está previsto no Acordo de Paris, com os resultados catastróficos que já se conhecem.

“O tempo está a esgotar-se e cada fracção de um grau a mais ameaça causar mais mortes e destruição económica”, avisa-se no relatório especial para a COP26, The Health Argument for Climate Access (Os Argumentos da Saúde para a Acção Climática). A boa notícia, deixada por María Neira, directora da OMS, para o Ambiente, Alterações Climáticas e Saúde, na conferência de imprensa de apresentação do relatório, esta segunda-feira, é que se a saúde for colocada no centro das negociações da COP26, os resultados serão muito expressivos. “O que fizermos para atacar as causas das alterações climáticas terá enormes benefícios na saúde das pessoas, que virão essencialmente da redução da poluição do ar”, disse. Apontando o “número horrível” de que, por minuto, morrem 13 pessoas por exposição à poluição, a responsável da OMS afirmou que se forem postas em prática as medidas necessárias “podem reduzir-se em 80% as mortes causadas pela poluição todos os anos”.

A receita não pode ser considerada propriamente uma novidade, ou não estivesse tudo interligado, e é por isso que logo na introdução ao relatório se deixa claro que “proteger a saúde requer uma acção muito além do sector da saúde, na energia, transporte, natureza, sistemas alimentares, finanças e mais.” As dez recomendações prescritas pela OMS atravessam, por isso, áreas tão distintas como a poluição, a mobilidade, a gestão urbana, a energia ou até a construção dos próprios edifícios afectos à prestação de cuidados de saúde, ou não fosse o próprio sector responsável pela emissão de 4,4% das emissões globais de gases com efeito de estuda (GEE).

A qualidade do ar e a necessidade de acabar de vez com a utilização de combustíveis fósseis são um dos temas em destaque neste relatório, com a referência muito clara no documento: “A queima de combustíveis fósseis está a matar-nos; a causar milhões de mortes prematuras todos os anos através de poluidores do ar.”

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A poluição do ar é responsável por cerca de sete milhões de mortes por ano Reuters

E não é por acaso que o documento é dedicado à “memória de Ella Kissi-Debrah - e de todas as outras crianças que sofreram e morreram por causa da poluição do ar e as alterações climáticas”. A menina britânica de nove anos morreu em 2013 e a causa de morte registada na sua certidão de óbito é “poluição do ar”. É, que se saiba, o primeiro caso de morte oficialmente registado como consequência directa da poluição, depois de a menina percorrer, diariamente, uma estrada muito movimenta perto da sua casa, no leste de Londres, em que os níveis de dióxido de nitrogénio ultrapassavam, sistematicamente, os níveis legais estabelecidos.

Ella Kissi-Debrah pode ser a primeira pessoa cuja morte é oficialmente atribuída à poluição do ar, mas está longe de ser a única. Estima-se que a poluição atmosférica esteja a causar a morte prematura de sete milhões de pessoas por ano, enquanto a alimentação está relacionada com cerca de 11 milhões de óbitos anuais.

Nas recomendações da OMS para os decisores envolvidos na COP26 - e este relatório é claramente apresentado como uma fonte de informação para esses responsáveis - é, por isso, inevitável, que surjam a necessidade de financiar um futuro “mais saudável, verde e justo para salvar vidas”, com o inevitável fim dos apoios aos combustíveis fósseis, ou a promoção de “sistemas alimentares saudáveis, sustentáveis e resilientes” - e bastam três medidas para reduzir drasticamente as emissões de metano, um dos gases que mais contribuem para as emissões globais, relembra a OMS: a redução do desperdício alimentar, uma dieta fortemente baseada em plantas e uma melhor gestão do gado.

As outras recomendações da OMS passam pela necessidade de proteger e restaurar a natureza, criar sistemas energéticos verdes, redesenhar as áreas urbanas, colocando as pessoas no centro e preparando-as para uma mobilidade cada vez mais assente nas caminhadas, bicicletas e transportes públicos e em garantir que há fundos suficientes para ajudar os países e comunidades mais pobres que, tantas vezes, sendo os que menos contribuem para as alterações climáticas, são os que mais sofrem com as suas consequências.

Tudo isto, sem deixar de fora hospitais, centros de saúde e os seus profissionais: é preciso preparar uns e outros para responder a esta emergência, garantindo que há fundos, formação e edifícios eficientes. Para isso, é preciso ouvir o sector, alertam. E investir mais, já que, avisam no relatório, os planos de adaptação na saúde propostos pelos diferentes países são insuficientes e apenas 0,5% dos investimentos globais relacionados com o clima são alçados a projectos de saúde.

A carta assinada por cerca de 300 organizações de saúde que representam 45 milhões de profissionais em todo o mundo, vai no mesmo sentido do relatório e pretende reforçar ainda mais a urgência de se agir rapidamente e com o máximo de ambição possível. Referindo-se à sua “responsabilidade ética” nesta matéria, os profissionais de saúde avisam que a crise climática em curso pode ser “muito mais catastrófica e longa do que a pandemia da covid-19” e instam: “Apelamos aos governos para que assumam as suas responsabilidades de proteger os seus cidadãos, vizinhos e as futuras gerações da crise climática.”

E sem a saúde no centro - uma exigência também da OMS - não será possível fazê-lo, avisam: “Integrar a saúde e equidade nas políticas climáticas irá proteger a saúde das populações, maximizando o retorno de investimentos, e construindo apoio público para as acções climáticas urgentemente necessárias. Água e ar mais limpos, cadeias de alimentação mais saudáveis e seguras, um sector de saúde resiliente e baixo em carbono, transportes e comunidades mais verdes irão beneficiar todos, aqui e agora. Além disso, as poupanças em saúde irão ultrapassar largamente os custos de se avançar com tais acções”, avisam os profissionais de saúde.

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