Relatório do IPCC é um novo “banho de realidade”: em qualquer cenário, o planeta deve aquecer 1,5 graus até 2040

O novo relatório do IPCC, para a 6.ª avaliação das alterações climáticas, confirma a enorme influência humana no aquecimento global e nos fenómenos a ele associados. O planeta está a aquecer mais e a um ritmo sem precedentes. Travar a fundo as emissões de gases com efeito de estufa não vai impedir fenómenos já em marcha durante décadas, como o derretimento do gelo e a subida do nível do mar.

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Que não restem quaisquer dúvidas: “A escala das mudanças recentes no sistema climático como um todo e o estado presente de muitos aspectos do sistema do clima não têm precedentes ao longo de muitos séculos a muitos milhares de anos.” O planeta está a aquecer mais e mais depressa do que se previa há anos e vai continuar a fazê-lo, mesmo no melhor de todos os cenários. Aliás, há vários aspectos ligados às alterações climáticas, como a acidificarão dos oceanos ou a subida do nível médio do mar, que irão correr independentemente do que façamos. Mas é possível mitigar muito do que aí poderá vir se controlarmos, já e rapidamente, a emissão de gases com efeito de estufa (GEE). Os dados constam do mais recente relatório do IPCC (sigla inglesa de Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas), divulgado esta segunda-feira.

Os cientistas que trabalharam neste relatório - totalmente dedicado às provas científicas sobre as alterações climáticas e que precede outros dois, sobre os impactos e a mitigação, que deverão ser publicados no próximo ano -, o 6.º do IPCC dedicado à avaliação das mudanças do clima, não descobriram mudanças na linha geral do que tem vindo a ser repetido até à exaustão sobre ao forma como a humanidade está a influenciar o clima e a tornar a sua própria vida no planeta cada vez mais difícil. As projecções que aqui são delineadas continuam a ser de aumento da temperatura global e de outros fenómenos a ela associados - mais secas, derretimento das camadas de gelo da Terra, chuvas intensas em algumas regiões e diminuição noutras, aumento do nível do mar -, mas à medida que existem mais dados parece tornar-se mais evidente que está tudo a acontecer mais depressa e com mais intensidade do que era previsto.

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Comparem-se alguns termos com o anterior relatório, de 2013 (os outros foram divulgados em 1991, 1995, 2001 e 2007). Nessa altura, as estimativas para o aumento global da temperatura até 2100, perante uma diversidade de cenários, variavam entre 0,3 e 4,8 graus Celsius. Agora, é entre 1,4 e 4,4 graus. O aumento do nível do mar era situado, em 2013, entre 18 a 59 centímetros, em relação a níveis pré-industriais e até 2100, no relatório agora conhecido essa subida é projectada para um intervalo entre 28 centímetros e 1,88 metros, no melhor e no pior dos cenários, com a admissão de que “num cenário de emissões muito elevadas, pode chegar quase aos dois metros em 2100”, lê-se no resumo destinado aos decisores políticos. Já em relação ao aumento da concentração na atmosfera de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N20), comparando com valores pré-industriais, também se regista um crescimento - se em 2013 havia um aumento de 40% (CO2), 150% (CH4) e 20% (N20), essas percentagens saltam agora para, respectivamente, 47%, 156% e 23%.

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“Este relatório é um banho de realidade”, disse a co-presidente do Grupo I, responsável pelo documento, Valérie Masson-Delmotte. Citada no comunicado de imprensa que acompanha a divulgação do relatório, a responsável do IPCC avisa: “Temos agora uma visão muito mais clara do clima passado, presente e futuro, o que é essencial para perceber para onde vamos, o que pode ser feito, e como nos podemos preparar.”

Durante a conferência de imprensa do IPCC desta segunda-feira, em que foram apresentados os principais resultados do documento, vários intervenientes frisaram que o relatório é um instrumento crucial para os decisores políticos delinearem os próximos passos para a redução de emissões de GEE, muito concretamente, as propostas que irão levar à COP26, em Glasgow, reagendada para Novembro deste ano, depois de ter sido adiada no ano passado, por causa da pandemia. Valérie Masson-Delmotte foi clara: “O relatório mostra que qualquer grau adicional à temperatura global levará a mais consequências. É esta informação que temos para os decisores políticos, para poderem decidir cuidadosamente o que querem fazer relacionado com as alterações climáticas.”

Também presente na conferência, a responsável pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP, na sigla inglesa), Inger Andersen, dirigiu-se aos cientistas do IPCC e deixou (mais) um aviso ao mundo e aos seus líderes em particular: “Há mais de três décadas que nos avisam sobre os perigos de deixar o planeta aquecer. O mundo ouviu, mas não escutou. O mundo ouviu, mas não agiu com a força necessária. Como resultado disso, as alterações climáticas são um problema que está aqui e agora. Ninguém está seguro. E está a ficar pior mais rapidamente.”

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Para o IPCC é “inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra” e todas as provas apontam para o agravamento da situação nas últimas décadas. “Cada uma das últimas quatro décadas foi sucessivamente mais quente do que qualquer década que a precedeu desde 1850”, explicita-se no relatório, precisando-se com “elevada confiança” - o que em termos da linguagem do IPCC significa acima de 90% de probabilidade - que “a temperatura global à superfície aumentou mais rapidamente desde 1970 do que em qualquer outro período de 50 anos de pelo menos os últimos 2000 anos.” As projecções são para que a temperatura no solo continue a aumentar mais rapidamente do que no oceano, e no Árctico de forma mais rápida ainda, prevendo-se que possa aquecer duas vezes mais do que a superfície global terrestre, com as consequências que isso trará para a sua camada gelada. Os cientistas estimam mesmo que, em qualquer um dos cinco cenários considerados, o Árctico poderá ficar praticamente livre de gelo em Setembro, pelo menos uma vez, até 2050.

Se olharmos apenas para os oceanos, a responsabilidade humana nas mudanças sofridas é ainda mais notória: é “praticamente certo” (entre 99% a 100% de probabilidade) que o oceano desde a superfície até aos 700 metros aqueceu desde a década de 1970 e “extremamente provável” (mais de 95% de hipótese) “que a influência humana seja a principal responsável”. Os cientistas do IPCC também consideram “praticamente certo que as emissões de CO2 causadas pelos humanos são o principal factor da acidificação” do oceano, havendo “elevada confiança de que os níveis de oxigénio caíram em muitas regiões do oceano desde meados do século XX”.

Na conferência de imprensa, Panmao Zhai, o outro co-presidente do Grupo I, sintetizou o que se sabe agora, sem lugar para dúvidas, sobre a influência humana no aquecimento global: “A influência humana é a principal responsável pelo aumento dos extremos de calor - ondas de calor mais frequentes e intensas desde 1950 - e também pelo aquecimento do oceano desde os anos 1970 e a sua acidificação. Contribuiu para diminuir os níveis de oxigénio nos oceanos, pelo menos desde meados de 1950 e também pelas alterações nas áreas geladas do planeta - o recuo global dos glaciares desde os anos 1990, a diminuição de 40% de gelo do mar do Árctico desde pelo menos 1979 e por uma menor cobertura de neve na Primavera desde a década de 1950.”​

Todo o globo afectado

Olhando para o panorama geral do planeta, não há qualquer lugar para dúvidas: “As mudanças climáticas causadas pelos humanos já estão a afectar muitos extremos meteorológicos e do clima em todas as regiões do globo. Provas de mudanças observadas em [fenómenos] extremos como as ondas de calor, precipitação forte, secas e ciclones tropicais e, em particular, a sua atribuição a influência humana, aumentaram” desde o relatório de 2013, lê-se no documento.

Perante a incapacidade que a humanidade tem tido em reverter a situação, apesar dos avisos da comunidade científica repetidos há décadas, a situação actual está longe de ser confortável e há limites - como os traçados no Acordo de Paris - em seríssimo risco de ser ultrapassados. “A menos que haja uma redução imediata, rápida e em larga escala das emissões de GEE, limitar o aquecimento a 1,5º C ficará fora do nosso alcance”, disse Valérie Masson-Delmotte, esta segunda-feira.​

Perante cinco cenários prováveis para as próximas décadas - em que o melhor aponta para emissões líquidas negativas de CO2 depois de se atingir a neutralidade carbónica em 2050 e o pior contempla a possibilidade de se duplicar as emissões actuais nessa data -, a situação pode tornar-se terrivelmente má ou menos complicada, mas com uma certeza: “A temperatura global à superfície vai continuar a aumentar até pelo menos meados do século em qualquer um dos cenários considerados. O aquecimento global de 1,5 e 2 graus Celsius será excedido durante o século XXI, a menos que ocorram profundas reduções de emissões de CO2 e de outros GEE nas próximas décadas.”

Assim, as projecções do IPCC, estimam que a temperatura poderá aumentar entre 1,5 e 1,6 graus Celsius até 2040; entre 1,6 e 2,4 graus entre 2041-2060; e entre 1,4 e 4,4 graus entre 2081-2100. No cenário considerado “intermédio”, e em que o volume de emissões continuaria idêntico ao que hoje temos, as projecções são para que atinjamos um aumento de temperatura de 1,5 graus Celsius até 2040, 2 graus até 2060 e 2,7 graus até 2100.

Impossível de travar

Além do aumento irreversível de temperatura nas próximas décadas, há alterações já em curso que se farão sentir por muito mais tempo, independentemente do que acontecer. “Muitas mudanças causadas por emissões de GEE passadas e futuras são irreversíveis durante séculos a milénios, especialmente mudanças no oceano, lençóis de gelo e nível do mar”, avisa-se no relatório. Assim, os cientistas estimam que o oceano vai continuar “a aquecer, a acidificar e a desoxigenar”, os glaciares polares e das montanhas “vão continuar a derreter durante décadas ou séculos” e “a subida do nível do mar vai continuar durante o século XXI”. Significa isto que não vale a pena agir? Não, muito pelo contrário.

Porque a velocidade e o nível de alterações será ditado pelo cenário que decidirmos criar para o futuro - com mais ou menos emissões de GEE -, associado a alguns factores de variabilidade interna da Terra (como actividade vulcânica) que podem condicionar algumas projecções. E porque cada salto no aumento global de temperatura e cada tonelada de CO2 emitido a partir de agora contribuirão para o aumento de fenómenos associados, sejam ondas de calor ou ciclones tropicais mais intensos e frequentes. Além disso, o relatório também indica que nos cenários com mais emissões de CO2, os sumidouros de carbono terrestres e marítimos tornar-se-ão menos eficazes a diminuir a acumulação deste gás na atmosfera.

“Estabilizar o clima vai requerer reduções sustentadas, rápidas e fortes da emissão de GEE, e atingirmos a neutralidade das emissões de CO2. Limitar os GEE e os poluidores do ar, especialmente o metano, terá benefícios tanto na saúde como no clima”, alerta, no comunicado de imprensa, Panmao Zhai.

Notícia actualizada com declarações da conferência de imprensa de apresentação do relatório.​

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