Mais uma eleição sem o voto Erasmus

O país investe para ter cada vez mais portugueses a estudar por um período no estrangeiro, mas não está preparado para lhes garantir o acesso ao exercício da sua cidadania enquanto estão fora. De acordo com o estudo ESNsurvey 2019, estes estudantes querem votar, mas este desafio, o qual está longe de ser exclusivo de Portugal, impede-os de o fazer.

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Rui Gaudencio

No último mês, milhares de estudantes portugueses partiram para estudar durante um semestre ou ano lectivo numa universidade estrangeira ao abrigo do Programa Erasmus+. Ao voltar, de acordo com as estatísticas europeias, trarão novas ideias e redes pessoais que farão deles cidadãos mais activos, mais empregáveis e com uma maior sensibilidade intercultural – uma das competências-chave neste século. Reconhecendo o valor destes estudantes para o país, o Governo criou a “Estratégia de promoção da participação nacional nos programas de financiamento da União Europeia 2021-2027 Investigação & Inovação, Erasmus+, Espaço e Digital”.

Esta estratégia refere que, em 2020, houve cerca de 10.000 estudantes portugueses a participar no programa Erasmus+ e que o objectivo é triplicar esse número até 2027. A estes juntam-se ainda os professores, investigadores, e estudantes de outros programas de mobilidade, dentro e fora do ensino superior, num número cada vez maior de pessoas que usufrui destas experiências internacionais.

Apesar deste entusiasmo crescente, a lei eleitoral não está preparada para responder às necessidades da mobilidade internacional. Há muitas pessoas que, por diversos motivos, não podem comparecer no dia da eleição e é para elas que existe o voto antecipado. Porém, este tem uma aplicação relativamente restrita e no caso dos estudantes só é permitido àqueles que se encontrem deslocados em território nacional. Assim, para os estudantes matriculados numa universidade no mesmo distrito em que se encontrem recenseados não há qualquer hipótese de voto antecipado. Os outros podiam votar antecipadamente entre os dias 13 e 16 de Setembro. Em ambos os casos, tanto nestas datas como no dia do sufrágio, muitas universidades europeias já haviam começado a sua actividade lectiva e, por isso, não foi possível a estes estudantes ir à urna da sua localidade para depositar o voto. Por outras palavras, foram obrigados a abster-se por participarem no Programa Erasmus+.

Posto isto, apresenta-se o paradoxo: o país investe para ter cada vez mais portugueses a estudar por um período no estrangeiro, mas não está preparado para lhes garantir o acesso ao exercício da sua cidadania enquanto estão fora. De acordo com o estudo ESNsurvey 2019, realizado pela Erasmus Student Network, estes estudantes querem votar, mas este desafio, o qual está longe de ser exclusivo de Portugal, impede-os de o fazer.

O Ministério da Administração Interna justifica esta situação com dificuldades logísticas, afirmando que a lei exige que este voto se faça “perante o Presidente da Câmara do município onde o eleitor frequente o estabelecimento de ensino superior”. Independentemente da validade das razões que fundamentam este procedimento, é certo que esta lei não serve um ensino superior em constante movimento e, por isso, tem de ser revista. Outras soluções precisam-se para garantir que estes estudantes – e também aqueles que fazem todo o seu curso no estrangeiro – tenham pleno acesso ao voto nas eleições autárquicas e outras, seja por voto antecipado, por correio, ou por qualquer outra solução adaptada às suas necessidades.

Tal questão é ainda mais premente quando se reconhece que estes cidadãos estão no estrangeiro devido a um programa financiado pela União Europeia e pelo país. É um paradoxo com solução. Em 2022 comemora-se o Ano Europeu da Juventude e será emitida em toda a Zona Euro uma moeda de dois euros comemorativa dos 35 anos do Programa Erasmus. Eis a minha sugestão para a Assembleia da República: que juntem a estas celebrações uma lei que sirva melhor aqueles que serão celebrados.

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