Quem quer ser professor?

Pensar numa escola promotora de igualdade de oportunidades é pensar-se numa escola e gestão democrática, com professores valorizados e consequentemente motivados.

Esta semana, ficámos a saber que o número de estudantes inscritos em cursos superiores de Educação caiu cerca de 70% desde o início do século. Passaram dos 51.224 em 2001/2002 para 13.781 o ano passado. Este ano, entraram apenas 1100 alunos em licenciaturas de formação de professores. Se considerarmos que nem todos serão professores, pois dentro dos cursos de Educação estão não só as formações destinadas à docência, como também cursos de Ciências da Educação, então temos um dos principais ingredientes para a falta crónica de professores.

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Esta semana, ficámos a saber que o número de estudantes inscritos em cursos superiores de Educação caiu cerca de 70% desde o início do século. Passaram dos 51.224 em 2001/2002 para 13.781 o ano passado. Este ano, entraram apenas 1100 alunos em licenciaturas de formação de professores. Se considerarmos que nem todos serão professores, pois dentro dos cursos de Educação estão não só as formações destinadas à docência, como também cursos de Ciências da Educação, então temos um dos principais ingredientes para a falta crónica de professores.

Mas afinal quais serão as principais razões para que haja cada vez menos estudantes a querer enveredar nas licenciaturas de formação de professores?

Rapidamente poderei apontar alguns que serão consensuais: Além do já amplamente referido desprestígio da classe, começando por um total desrespeito e indiferença por parte da classe política até à falta de reconhecimento social que faz aumentar a indisciplina escolar e os casos de pais que agridem professores, é também pelo facto da carreira e os vencimentos serem muito pouco atractivos.

Além da pouca atractividade da carreira há também a agravante de serem precisos quase 20 anos para nela se conseguir ingressar. Depois de estarmos na carreira ainda temos as quotas, que cirurgicamente impedem a progressão, e a avaliação de desempenho docente que não é séria mas serve os interesses da própria carreira.

Poderá estar a pensar que o que aqui acabo de escrever é uma falácia pois ouve-se constantemente as típicas frases de café que indicam que os professores trabalham pouco, recebem muito e ainda têm férias que chegam aos três meses. Mas não é. Perceba porquê: Nesta análise quero focar-me nos vencimentos, pois com certeza que esse será um factor com peso aquando da escolha académica. Numa altura que se discute o aumento do salário mínimo nacional — justamente diga-se —, fica ainda mais claro como é absurdo o que se passa com a classe docente no que toca a salários.

Vamos a números: Em 2009 um professor no índice 167 (1.º escalão) recebia de vencimento bruto 1518,63€ enquanto um qualquer profissional que auferisse o salário mínimo nacional recebia brutos 450€. Analisando os dados mais recentes, Agosto 2021, e comparando-os com Agosto de 2009, percebemos que temos o actual salário mínimo nos 665€ (que poderá subir ainda este ano para 705€) e o vencimento de um professor no índice 167 (1.º escalão) nos 1523,19€. Esta não-actualização do vencimento do 1.º escalão tem obviamente repercussões nos escalões remuneratórios da restante carreira. Para não envergonhar mais ainda os governantes dos últimos 12 anos, nem vou falar dos professores que têm horários incompletos pois já explorei esse tema aqui.

É fácil de entender que tipo de sentimento de injustiça tem qualquer professor contratado ou já no sistema que, no mínimo, é licenciado, mas como se sabe há milhares com o grau de mestre e outros milhares com o grau de doutorado, se sentirá, no mínimo, destratado pelos sucessivos governos que nunca tiveram coragem e ambição política de rever as tabelas remuneratórias dos docentes. Dizem que são muitos, como se agora isso fosse um critério honesto. Se quisermos comparar com a carreira de juiz, um professor do ensino não superior, que consiga chegar ao topo da carreira, ganha menos que um juiz estagiário, em início de carreira, 3324,00 €.

Juntamente com um amigo professor, Ricardo Pereira que tem sido um verdadeiro lutador contra a degradação da classe, nomeadamente na luta pelos professores lesados da segurança social, fizemos um exercício muito simples, que coloca ainda mais a nu a injustiça que de ano para ano se vai fazendo a mais de 100 mil docentes que vêem as suas tabelas remuneratórias estagnadas, fomos ao site do INE tentar perceber a quanto deveria corresponder actualmente um salário que em 2009 era de 1518,63€.

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Sem grandes dificuldades percebemos que nos dias de hoje os professores estão a perder cerca de 200€ mensais e que apenas foram aumentados em 4,56€ nos últimos 12 anos. Depois de termos chegado a esta conclusão, por curiosidade fomos ver o que se tinha passado com o salário mínimo nacional ao longo do mesmo período.

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Facilmente chegámos à conclusão, que nos agradou, de que no caso do salário mínimo houve um aumento de condições salariais e isso é sempre de louvar.

No entanto não podemos deixar de condenar o que se tem passado com os professores. Se isto não é indigno o que será? Será que ninguém percebe que este é um dos maiores problemas da profissão e que tem como consequência a falta de professores nas escolas, a desistência de outros tantos da profissão e a atracção de novos? Em Março, o Conselho Nacional de Educação pedia que no Plano de Recuperação e Resiliência fosse contemplada uma verba para formar e atrair mais professores. O problema da falta de professores é uma realidade para a qual os sucessivos governos têm vindo a ser alertados, mas sem que tenham demonstrado uma real preocupação e sobretudo medidas para mitigar este problema.

Pensar numa escola promotora de igualdade de oportunidades é pensar-se numa escola e gestão democrática, com professores valorizados e consequentemente motivados. É pensar numa escola centrada no aluno, com regras claras que boicotem qualquer tipo de indisciplina, com turmas de dimensão ajustada à realidade, sem turmas de multinível, com recursos humanos e materiais em quantidade suficiente para que não seja preciso recorrer constantemente a projectos temporários com nomes sumptuosos, mas de eficácia residual e/ou duvidosos, que são tudo entraves à permanências dos professores e à atracção de novos professores.

É urgente reformar a carreira de alto a baixo, reabilitando o papel social do professor, remunerando convenientemente alguém com formação académica acima da média, acabando com a avaliação kafkiana e promotora de caciques organizacionais que serve apenas de tampão da progressão, desburocratizar, desproletarizar, subsidiar professores deslocados, incentivar a fixação de professores em escolas do interior. Captar os melhores investindo e cuidando dos que cá estão. Só assim podemos reverter uma situação cada vez mais grave.