A arte de pegar no dinheiro e fugir do artista Jens Haaning

Museu dinamarquês emprestou notas no valor de 70 mil euros ao artista Jens Haaning para este usar numa obra e recebeu em troca duas telas brancas com o título Pega no Dinheiro e Foge!

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niels fabaek / museu de arte moderna Kunsten

O museu dinamarquês de arte moderna Kunsten, em Aalborg, pediu ao artista Jens Haaning que reproduzisse uma antiga obra sua feita com centenas de notas de banco emolduradas em duas telas de diferentes dimensões, mostrando os proventos médios anuais de um trabalhador na Áustria e na Dinamarca. Para esse efeito, emprestou a Haaning um pouco mais de 70 mil euros em dinheiro vivo, mais precisamente 540 mil coroas dinamarquesas em notas. Alguns meses mais tarde recebia do artista um conjunto de duas telas brancas com o título Pega no Dinheiro e Foge!

Admitindo que se trata de uma vigarice de boa-fé, digamos assim, e que museu e artista não concertaram uma espécie de golpe publicitário, o director do Kunsten, Lasse Andersson, deu provas de ter sentido de humor e decidiu expor a obra tal como esta lhe chegou às mãos, integrando-a, como previsto, na exposição Work It Out, uma mostra colectiva que aborda o moderno mundo laboral, inaugurada no museu de Aalborg a 24 de Setembro.

Andersson confessa mesmo que não conseguiu reprimir uma ruidosa gargalhada quando, em cima da inauguração, se confrontou com esta algo radical variação da obra cuja reprodução encomendara. “Não era certamente o que acordáramos no contrato, mas obtivemos uma nova e interessante obra de arte”, diz o director, citado pelo jornal francês Le Figaro. O museu decidiu, pois, expor Pega no Dinheiro e Foge!, argumentando que a peça convida os visitantes a reflectir em modos de valorizar o trabalho dos artistas.

O humor de Andersson tem, no entanto, limites. No caso, limites temporais e bastante precisos. A exposição encerra no início do próximo ano e o contrato com o artista prevê que este entregue as notas, que lhe foram confiadas a título de empréstimo, até ao dia 16 de Janeiro. “Se o dinheiro não for devolvido na data acordada, daremos os passos necessários para assegurar que Jens Haaning cumpre o contrato”, promete o director do Kunsten.

A bem da verdade, há que dizer que o criador de Pega no Dinheiro e Foge! avisou que não iria replicar exactamente a sua criação anterior e que a nova versão teria um novo título. “É essencialmente uma obra sobre as condições de trabalho dos artistas”, observa agora Haaning, de 56 anos. Num comunicado enviado à imprensa, o artista define Pega no Dinheiro e Foge! como “uma afirmação de que também temos a responsabilidade de questionar as estruturas de que fazemos parte”.

Considerando-se mal remunerado pelo museu, acrescentou: “E se essas estruturas são completamente irrazoáveis, então temos de cortar com elas.” De acordo com o contrato, Hanning receberia cerca de 1350 euros pelo trabalho de reproduzir o par de obras originais e o museu cobriria as despesas de execução do projecto até seis mil euros.

Haaning vem construindo desde os anos 90 uma obra que interroga as estruturas de poder na sociedade ocidental, abordando temas como as migrações ou os nacionalismos. Uma das suas obras mais conhecidas é Middelburg Summer 1996, que consistiu em transplantar para o Centro Vleeshal de Arte Contemporânea, em Middelburg,  na Holanda, uma fábrica de confecções de uma cidade vizinha que empregava imigrantes ilegais, e que aceitou mudar temporariamente a sua maquinaria para este espaço expositivo,  onde os visitantes podiam ver operários turcos, iranianos ou bósnios em plena produção.

Lasse Andersson afirmou estar convencido de que Haaning irá devolver as notas quando a exposição terminar, mas o artista não só não deu até agora sinais de pretender fazê-lo, como afirmou ter esperança de que o seu gesto contribua para que outros artistas sigam o seu exemplo. Ou seja, presume-se, que peguem no dinheiro e fujam.

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