Expedição científica à Serra da Estrela em 1881: um marco na História da Ciência em Portugal

As décadas seguintes foram de desafios territoriais, sendo possível reconhecer o sentido dos interesses coletivos, promoção e mobilização da comunidade na definição de uma marca e de uma matriz daquilo que verdadeiramente é a Serra da Estrela.

140 anos nos separam do dia 19 de agosto de 1881, no qual foram concluídos os trabalhos científicos que determinaram o sucesso da primeira e inovadora expedição científica à Serra da Estrela.

Nesse dia, já sem presença da maioria dos elementos das seções científicas da Sociedade de Geografia de Lisboa que compunham a expedição, a atividade de campo ainda foi intensa, sendo marcados cartograficamente dois planaltos, logo acima das Carvalheiras de Manteigas, para dar continuidade ao estudo para a determinação de uma estância de altitude para o tratamento e cura da tuberculose (que seria iniciada seis meses depois, no denominado Sanatório do Poio Negro ou Estância Sanatorial das Penhas Douradas). Os objetivos específicos da Expedição passaram por estabelecer um posto meteorológico na região dos Cântaros, já que a observação meteorológica, associada ao estudo de climatologia médica e a flora aplicada à farmacopeia, eram fundamentais para toda a investigação programada pelo médico José Thomaz de Sousa Martins.

Pelas 13 horas, os professores Jaime Adelino Gomes da Silva, Luiz Feliciano Marrecas Ferreira, C. von Bonhorst e José Tomás de Sousa Martins dirigiram-se ao planalto mais elevado da Serra, onde colocaram uma caixa de madeira, contendo um “termómetro de mínima”, dentro de uma das fendas da pirâmide geodésica (construída em 1802, por ordem do Príncipe-Regente, depois D. João VI, em cujos nove metros de perfil assinalavam os 2000 metros de altitude da Serra).

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Barraca de lona no acampamento expedicionário na Serra da Estrela. Colecção privada

Na zona do Planalto da Expedição, os condutores de obras públicas do Serviço Topográfico Auxiliar da Expedição davam por concluído o Mapa dos Levantamentos, no qual foi registado detalhadamente o território, numa extensão compreendida entre as cidades da Covilhã, Guarda e Gouveia.

A expedição científica à Serra da Estrela, em 1881, apresentava-se como um marco histórico do conhecimento e da aventura que motivou os principais momentos dessa viagem, e esse trabalho foi realizado por cientistas, historiadores e militares que, em quinze dias, e auxiliados por guias-pastores e outros habitantes, conquistaram o conhecimento e determinaram a importância geo-estratégica da Serra. Os programas previstos inicialmente foram cumpridos, permitindo conhecer a orografia (planaltos, vales profundos e abrigados, encostas arborizadas), a origem, profundidade e importância das lagoas, os cursos dos rios, as características das águas termais, determinar as observações dos aquistas e eficácia das águas nas patologias, a orientação dos ventos e a relação climática, a botânica e a vegetação (alpina e agrária), as lendas na tradição oral, a descrição das antiguidades e as doenças dos habitantes locais.

Este singular e primeiro projeto de investigação foi concebido na Sociedade de Geografia de Lisboa, mobilizando as seções de Agronomia e Silvicultura, Arqueologia, Antropologia, Geologia, Medicina (incluindo a Subsecção de Hidrologia Minero-Medicinal e a Subsecção de Oftalmologia), Meteorologia, Fotografia e Zoologia, numa proposta pluridisciplinar de aprofundamento do conhecimento daquele território. A proposta foi apresentada por Luciano Baptista Cordeiro de Sousa, fundador da Sociedade, sob iniciativa do matemático Luís Feliciano Marrecas Ferreira, contando com a fundamentação científica do médico José Thomaz de Sousa Martins, motivado pela importância de criar uma estância de cura, pois a Estrela reunia as melhores condições para o desenvolvimento de uma estância climatérica pela excelência dos seus recursos endógenos – ar, sol, vento, temperatura, humidade, águas termais –, suplantando as outras estâncias sanatoriais europeias, como Davos.

As décadas seguintes foram de desafios territoriais, numa afirmação continua das particularidades e do reforço das identidades locais, sendo possível reconhecer o sentido dos interesses coletivos, promoção e mobilização da comunidade na definição de uma marca e de uma matriz daquilo que verdadeiramente é a Serra da Estrela e das suas preexistências geológicas, paisagísticas e construídas a que importa atender na sua preservação e potenciação.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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