Cartão do adepto: Let them watch!

O Cartão de Adepto é, a meu ver, a gota de água. Partindo do princípio errado da presunção de culpa, a ferramenta, mal-executada, é, neste momento, uma forma de cadastro dos adeptos, atribuindo a estes uma responsabilidade acrescida que não está associada a mais nenhum desporto.

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LUSA/MANUEL FERNANDO ARAÚJO

Como conceito, o Cartão de Adepto é uma ferramenta datada, de marcado insucesso na Europa e sem qualquer resultado real nos parceiros europeus que aplicaram modelos semelhantes. Mas é mais grave: menoriza o futebol e o desporto, no geral, e trata com presunção de culpa os adeptos do desporto-rei.

A criação do Cartão de Adepto em Portugal é um daqueles fenómenos peculiares, mas relativamente comum em Portugal e na política portuguesa – a completa distância e um desconhecimento profundo entre a iniciativa legislativa dos representantes e a vontade e conhecimento da realidade, na prática, do representado. Não discuto o seu âmbito e o seu intuito – o combate ao racismo e à xenofobia é algo que nos devia unir, e no geral une, enquanto fãs do desporto, e do futebol em concreto, e na promoção da dignidade dos atletas e no respeito por estes. Mas a execução, consumada na criação do Cartão de Adepto, é escandalosamente mal conseguida e denota algo que estava já latente no âmbito deste Governo – a menorização do futebol, e do desporto na globalidade, e o desconhecimento total da sua realidade.

O passado deste Governo com o futebol é, já, extenso. Desde a falta de adeptos em competições nacionais e em total contradição com competições europeias realizadas no mesmo período até à falta de um plano, tardio, para recolocar os adeptos, novamente, nos estádios, é clara a menorização do desporto-rei, e do desporto de uma forma geral, que, visto como um parente pobre da representação do país dentro e fora de portas, é constantemente ignorado por quem nos governa.

O Cartão de Adepto é, a meu ver, a gota de água. Partindo do princípio errado da presunção de culpa, a ferramenta, mal-executada, é, neste momento, uma forma de cadastro dos adeptos, atribuindo a estes uma responsabilidade acrescida que não está associada a mais nenhum desporto (e a mais nenhum tipo de evento fora deste) e assumindo, à partida, uma violência que nem sempre é consumada e que, muitas vezes, não passa da imagem que se tem sobre o desporto em si.

A violência no desporto é uma temática extremamente premente, devendo ser abordada como tal. As soluções são várias e passam pelo reforço do nível de stewards para o nível apresentado em jogos europeus, por uma revista mais rigorosa, por um maior controlo sobre o tipo de objectos que podem entrar nos diversos recintos desportivos, com uma maior cobertura policial em jogos e situações de particular risco e com a identificação dos reais prevaricadores, com penas pesadas e responsabilização destes enquanto indivíduos.

Cadastrar adeptos pela sua mera condição de adeptos é errada, parte do princípio errado e tremendamente nefasto que abordo acima, e tem um efeito dissuasor no âmbito desportivo. Especialmente num momento em que o desporto, e o futebol, deveriam ser um aspecto de um retorno progressivo à normalidade, vemos lugares e bancadas completamente vazias em protesto face a uma medida desapropriada e que mostra uma distância total da realidade de membros do poder de decisão e de adeptos do desporto, no geral, e vemos um clima de desconfiança sobre o futuro do futebol, em concreto.

Mais do que aplaudir os feitos daqueles que carregam o nome do país dentro e fora de portas, é fundamental que lhes sejam, a estes e aos adeptos que os apoiam, condições propícias ao seu desenvolvimento. E o poder político tem falhado, tremendamente, nesta área. Os fãs, e a sociedade, exigem mais e melhor.

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