Portugal é um país soberano e independente. Será o Plano de Reestruturação da TAP um embuste?

Tal como aconteceu com todas as companhias aéreas de todo o mundo, também Portugal deveria ter podido fazer o necessário financiamento à TAP sem que entidades estrangeiras nos pudessem condicionar.

Certos estávamos nós (SITAVA) quando, há vários meses, e por variadíssimas vezes, alertámos para os sucessivos atrasos verificados na aprovação do chamado plano de reestruturação da TAP (PRT). Primeiro, estaria aprovado durante o primeiro trimestre, depois seria maio ou talvez junho, mas o certo é que estamos em agosto e as respostas são cada vez mais duvidosas, colocando em risco a retoma e até sobrevivência da companhia.

Mas afinal que mistérios residirão nesta matéria que dificultam uma resposta, qualquer que ela seja? Será este assunto assim tão complexo que requeira tanto tempo de análise? Ou existirão fatores externos, contrários ao interesse nacional, que estarão a condicionar essa resposta?

Comecemos então por recordar, de forma breve, aquilo que foram as dificuldades sentidas por todas as companhias aéreas, na sequência do aparecimento da crise sanitária, que provocou a paragem total da atividade aérea a nível mundial. Por todo o mundo, essa paragem levou, muito rapidamente, à rotura das tesourarias, obrigando os governos de todos os países da Europa, e não só, a fazer fortíssimas injeções de fundos públicos nas respetivas companhias sob pena de, se o não fizessem, a indústria vir a sofrer, certamente, uma reconfiguração com resultados trágicos e imprevisíveis.

A TAP não foi exceção. Imediatamente após a instalação do caos, na sequência da crise sanitária, o então Conselho de Administração iniciou de imediato processos de redução de custos, não só na operação, mas também noutras áreas como as rendas e “leasings”, a renegociação dos prazos de entrega de novas aeronaves e a colocação de todos os trabalhadores no regime de lay-off simplificado, com uma redução salarial de 30%, de entre outros. Aconteceu, também nesta fase, a negociação que levou à saída do acionista privado que recusou acompanhar o financiamento público de apoio à tesouraria, indispensável à sua manutenção.

Não obstante ser já amplamente conhecido, devemos realçar também aqui a importância capital que a TAP tem para a economia nacional, não só pela contribuição que dá para as exportações e volume de emprego, mas também pelo substancial peso que tem no mercado nacional, e até pela contribuição que também dá para o Orçamento do Estado, através dos impostos e outras deduções que entrega.

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Bruxelas já aprovou a ajuda estatal de 1200 milhões à TAP Daniel Rocha

Lamentavelmente, muito do que dizemos é ignorado por uma certa visão neoliberal que, na defesa daquilo a que chama o mercado, admite a falência da TAP, sem cuidar de nos esclarecer se tem verdadeira consciência dos resultados de tal destruição. A avaliar por alguns textos recentemente publicados, estamos em querer que não. Aliás, ficamos até na dúvida se alguns dos seus autores não conviveriam bem com a ideia de “Estado colonato” governado pelos mercados.

A primeira particularidade deste processo aconteceu, desde logo, quando o Governo de Portugal, que é um país soberano, se sujeitou a pedir autorização a uma entidade externa, a União Europeia, para salvar um dos mais importantes ativos do país, comprovadamente indispensável à economia e soberania nacionais.

Esta atitude do Governo português, que lamentamos profundamente, foi chave no processo e resulta da insuportável submissão que o nosso país voluntariamente (?) aceita em relação à União Europeia. Tal como aconteceu com todas as companhias aéreas de todo o mundo, também Portugal deveria ter podido fazer o necessário financiamento à TAP sem que entidades estrangeiras nos pudessem condicionar.

A história recente do que aconteceu na TAP (Grupo) na sequência da pandemia é sobejamente conhecida e sobre ela tem o SITAVA falado e escrito abundantemente. Apesar disso, voltamos a recordar que os trabalhadores da TAP estão em lay-off desde maio de 2020 (ainda estão), com fortíssimas reduções salariais, sendo que, desde fevereiro do corrente ano, estão também sujeitos aos cortes nos rendimentos impostos pelos Acordos Temporários de Emergência que fomos forçados a subscrever sob ameaça de um Regime Sucedâneo.

Quanto aos custos de pessoal e aos postos de trabalho, circulam pelos círculos neoliberais várias narrativas que consideramos indispensável clarificar. Sabemos que quem “manobra” nesta área fá-lo com objetivos muito bem definidos e não será mais este esclarecimento que os fará recuar. Contudo, manda a verdade que se diga que, se alguém contribuiu para a redução de custos, foram os trabalhadores e só estes. Consultando o Relatório e Contas de 2020 da TAP SA, facilmente se comprovará o que afirmamos. Aliás, aí se poderá verificar também que apenas os trabalhadores contribuíram, verdadeiramente, para essa redução.

Em relação aos custos sociais suportados também pelos trabalhadores, em termos da redução da força de trabalho, são estes e não outros que também pagam a mais pesada fatura. Sabendo que a TAP, SA tinha ao seu serviço, em 31 de dezembro de 2019, antes da pandemia, exatamente 9006 trabalhadores e, destes, 8650 em Portugal, e que ao dia de hoje em Portugal trabalham cerca de 6100, obtemos assim o valor da tal fatura com a destruição de mais de 2500 postos de trabalho em apenas um ano. Este é o custo que os trabalhadores estão a suportar e que os neoliberais, na sua narrativa, deliberadamente ignoram.

Mas voltemos então ao plano de reestruturação que, não bastando o atraso na sua aprovação pela UE, foi ainda alvo de uma ação no Tribunal Europeu, interposto pela operadora aérea Ryanair. Na sequência desse processo, veio a Comissão Europeia reafirmar a autorização de financiamento de 1,2 mil milhões de euros concretizado em 2020, mas com uma nuance. Numa absurda cedência, mais uma, às grandes transportadoras europeias, decidiu a CE que o plano de reestruturação não terá seguimento tal como está e que irá abrir o que designam por uma “investigação aprofundada”.

E o que é que este eufemismo quer na realidade dizer? Nada mais, nada menos do que colocar os concorrentes da TAP a fiscalizar a sua atividade e a exigir que o Estado português ceda “slots” e retire financiamento, de modo a fragilizá-la e, assim, ficarem (os concorrentes) com a respetiva quota de mercado, colocando em perigo a sua dimensão estratégica para operar o hub de Lisboa. Este é o objetivo da “investigação aprofundada”.

É no mínimo surpreendente a forma descarada como a Comissão Europeia o anuncia e afronta o Governo Português, retardando a aprovação do plano de reestruturação. Parece evidente que o objetivo da União Europeia é estrangular a TAP evitando que esta possa acompanhar a concorrência, que já está, neste momento no terreno, com discursos otimistas e mobilizadores de lançamento da retoma. Tudo isto exige uma resposta política à altura. É tempo de o Governo Português vir a terreiro dizer basta, defendendo em Bruxelas os interesses do nosso país.

Para uma caraterização mais clara daqueles que pressionam a UE para estrangular a TAP, talvez valha a pena tecer algumas considerações acerca da empresa que moveu o processo contra a TAP no Tribunal Europeu. Como se sabe, esse processo tinha a finalidade de pôr em causa o direito do Estado Português de salvar a sua companhia aérea, como fizeram todos os outros governos de todos os outros países do mundo.

Essa empresa, segundo a imprensa portuguesa, pelo menos desde 2014, apresenta prejuízo nas suas contas, acumulando neste momento resultados transitados negativos de 31,6 milhões de euros. Por via disso, a Ryanair (sucursal portuguesa) tem neste momento capitais próprios negativos de 33,2 milhões de euros e, apesar de se intitular de “grande contribuinte” em Portugal, por força de tantos prejuízos, não há lugar ao pagamento de qualquer imposto.

Não obstante o que dizemos, esta empresa continua a manifestar sérias e reiteradas dificuldades no cumprimento da legislação de trabalho portuguesa, tem sido em muitos aspetos protegida pelos governos, e fortemente subsidiada por várias entidades das regiões onde opera, que vão desde municípios a Associações de Turismo, governos regionais e até ministérios do Governo da República.

A TAP atravessa, talvez, a mais apertada curva do seu já longo percurso de mais de 75 anos e a pandemia não é o seu pior inimigo. Desde o início da década de 90 do século passado que a União Europeia, pela mão do neoliberalismo que se instalou, desenhou o futuro da aviação na Europa. E, de acordo com a então comissária europeia para os Transportes, Loyola de Palácio, a TAP não fazia parte desse futuro, pelo menos como empresa autónoma e de bandeira de um pequeno país independente.

Muitas têm sido as tentativas para concretizar esse projeto, felizmente nunca conseguido, graças à resistência dos trabalhadores e, diga-se, também com a oposição de alguns governos. É, por isso, muito importante que se lembre aos portugueses que, em 20 anos (1999 a 2020), o acionista Estado não colocou na TAP um único euro de financiamento.

Cabe agora ao Governo Português não defraudar o país e os trabalhadores. É missão e inalienável obrigação deste Governo dizer à União Europeia que ainda não será desta que conseguirão executar o plano de desmantelamento da TAP. O Governo tem nas suas mãos a possibilidade de salvar a companhia aérea nacional e, para isso, pode contar, como sempre contou, com os trabalhadores. Exige-se, por isso, ao Governo de Portugal que não falhe.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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