Vamos desconstruir alguns mitos sobre a amamentação?

Em plena Semana Mundial da Amamentação nunca é demais clarificar e desconstruir algumas ideias feitas. A Semana Mundial da Amamentação começou no domingo.

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Reuters/HANNAH MCKAY

É no contacto directo com muitas mães e com os seus filhos recém-nascidos que os profissionais de saúde são confrontados com inúmeros equívocos. São mitos que, por vezes, emanam de ideias preconcebidas, crenças intergeracionais que a dada altura acabam por entrar na convicção de muitas mulheres e ganham terreno a par com as dificuldades decorrentes da amamentação. Ora, cabe aos profissionais de saúde desconstruir estes preconceitos, uns com alguma base realista, outros não. Em plena Semana Mundial da Amamentação, nunca é demais clarificar e desconstruir estes mitos e, como tal, seleccionámos aqueles que são mais evidentes e comuns na realidade das consultas de enfermagem de amamentação do Hospital CUF Descobertas, em Lisboa.

Não tenho leite suficiente para o meu bebé!

Este é de longe um dos mitos mais frequentes e está relacionado com a ideia de que a mãe não produz a quantidade de leite necessária para amamentar o seu bebé. Ou porque “o bebé mama muitas vezes, ou porque adormece a mamar”. Esta ideia acaba por tomar grandes proporções, quando, em contexto de consulta, as mães se defrontam com a pesagem do seu bebé. O acompanhamento do peso do bebe é um procedimento frequente que permite observar o desenvolvimento físico do recém nascido e ajuda a perceber se este está a ter um crescimento dentro dos parâmetros normais.

Contudo, nos primeiros dias de vida os bebés tendem a perder peso em comparação com o peso de nascença, sendo esta perda expectável e normal. Se tudo correr como esperado, em média, os bebés acabam por recuperar o seu peso em dez a 15 dias após o nascimento. Porém, é comum as mães ficarem angustiadas com a perda de peso, angústia essa que advém da sensação de não estarem a produzir leite em quantidade suficiente ou de o leite não possuir a qualidade necessária para suprir as necessidades do seu filho. Nestes casos, é crucial reforçar que o leite materno é sempre a melhor solução para o bebé e que tem sempre na sua constituição os nutrientes necessários para alimentar o bebé de forma adequada.

O colostro, leite dos primeiros dias de vida, é, de facto, produzido em pequenas quantidades mas, mesmo assim, o suficiente para que o bebé receba tudo o que precisa. É comum dizer-se que este leite funciona como uma “vacina”, pois na verdade está repleto de células imunológicas que vão reforçar as defesas do bebé nos primeiros tempos de vida. Gradualmente, o leite vai-se transformando como se tratasse de um verdadeiro prato com massa com carne e vegetais! Daí a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendar o aleitamento exclusivo até aos 6 meses.

Ao longo do crescimento do bebé, a quantidade de leite também se vai adaptando às suas necessidades, pelo que é normal haver fases em que o bebé mama mais. Isto pode levar a mãe a pensar que tem novamente pouco leite. Calma! Automaticamente o corpo da mãe acaba por equilibrar a produção de leite e o bebé, começando a ficar mais saciado, também acaba por voltar ao seu ritmo habitual. Todavia, e em caso de dúvida, a consulta de profissionais de saúde ou dos conselheiros deve sempre ser considerada!

Se estou a amamentar, não posso comer certos alimentos!

Pode e deve! Este é outro dos mitos que mais assolam as mães e está relacionado com o tipo de alimentação que acham que podem ou não fazer. É comum as mães verbalizarem que o bebé apresenta desconforto ou até cólicas. Quando não encontram uma causa específica para tal, muitas mães acabam por achar que tal facto se deve a algo que possam ter ingerido e que agora está a fazer “mal” ao seu bebé. Salvo em algumas situações em que é diagnosticada alguma intolerância alimentar ou alguma perturbação gastrointestinal, que possa estar relacionada com a alimentação da mãe, é que poderá haver motivo para a evicção de certos alimentos. Mas, de uma forma geral, a mãe não deve ser impedida de ter uma alimentação variada. Com a excepção do álcool e do consumo excessivo de café, a mãe pode e deve comer de tudo, sendo através do leite materno que o bebé começa a ser exposto a uma diversidade de sabores que o vão preparar para a introdução futura de novos alimentos. Sabia que ainda dentro do útero materno, o bebé já é exposto ao sabor volátil dos alimentos que a mãe consome? Como tal, não há necessidade de se privar de nada! Use o bom senso, coma de forma saudável e variada. E não se esqueça que uma boa hidratação, recorrendo ao consumo de água, também é fundamental!

Se tomar medicação tenho de parar de amamentar!

A toma de medicação pode causar dúvidas, receios e levar a que a mãe pare de amamentar, sem que haja, na realidade, necessidade para tal. Este é um receio que muitas mães acabam por verbalizar, principalmente quando se deparam com processos inflamatórios da mama, que podem ocorrer durante a amamentação. É comum as mães depararem-se com dor, desconforto e inchaço mamário, sobretudo no processo de subida de leite. Além das medidas de alívio da tensão mamária, muitas revelam o desejo de tomar algo que lhes alivie de imediato a dor, mas por medo não tomam. No entanto, muita desta medicação é compatível com a amamentação. Mesmo assim, e em caso de dúvida, a mãe poderá sempre aconselhar-se com os profissionais de saúde e ainda consultar o site do projecto internacional da Associação de Promoção e Investigação Cultural e Científica sobre Aleitamento Materno (APILAM)

Sendo as vacinas consideradas medicamentos, importa abordar a temática da vacina contra a covid-19, já que esta está na ordem do dia para as mães que amamentam. Sobre este tema há muito ainda por evidenciar, no entanto, a Direcção-Geral de Saúde (DGS) é peremptória ao afirmar que a amamentação não constitui uma contra-indicação para a vacinação covid-19. Por outro lado, o organismo norte-americano Center for Disease Control and Prevention refere não haver ainda estudos consistentes em relação à vacinação em mulheres que amamentam. Porém, baseado na forma como as vacinas funcionam no organismo, julga-se que as mesmas não serão um risco para quem se encontra a amamentar. Os mais recentes relatos indicam que quem recebeu a vacina covid-19 mRNA produziu anticorpos no leite materno, o que pode levar à proteção dos bebés contra esta doença. Mesmo assim, e em caso de dúvida, deve sempre aconselhar-se com os profissionais de saúde.

A amamentação será sempre um tema de grande relevância e nunca será demais falar-se sobre algo que vai muito além do acto de nutrir. Um acto que estabelece uma ligação emocional incomparável, um vínculo sem prazo ou data de término. A OMS é exímia ao recomendar a amamentação como uma forma saudável e sustentável de nutrir as crianças e que se deveria manter, pelo menos, até aos 2 anos. Na verdade, a amamentação é como um namoro que dura enquanto ambos quiserem e gostarem.

Certo que dentro desse intervalo de tempo muitas são as questões, dúvidas e mitos que surgirão, pelo que é primordial o acompanhamento de um profissional que possa esclarecer devidamente quanto ao processo de amamentação, pois o aleitamento materno, quando eficaz e bem sucedido, é crucial para o bem estar do bebé e da sua mãe.

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