Portugal prepara uma agricultura do passado que empenha o futuro, acusam ambientalistas

Ministério da Agricultura é acusado de prosseguir a mesma política agrícola que tem vindo a aplicar até agora, esquecendo as preocupações com o clima, a biodiversidade ou o bem-estar das populações.

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Daniel Rocha

A elaboração do Plano Estratégico para a PAC (Política Agrícola Comum) 2023-27 em Portugal está a levantar preocupações em peritos, académicos e Organizações Não Governamentais de Ambiente (ONGA) por colocar em causa o “futuro da biodiversidade nacional e da qualidade de vida das populações”.

Num comunicado conjunto divulgado nesta quinta-feira, e assinado por 15 associações ambientalistas, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, é criticada por ignorar o contributo de “mais de 100 académicos” que expuseram, através de um manifesto, os desafios que a agricultura nacional enfrenta, apelando a que este sector “faça uma verdadeira transição ecológica”.

As ONGA exigem que o Plano Estratégico da PAC seja “um instrumento de política fundamental para o futuro das pessoas e da natureza”. Como tal, tem de ser “mais sustentável, justo e benéfico” do ponto de vista ambiental, social e económico.

No entanto, as propostas apresentadas durante a elaboração do PEPAC “não respondem a nenhum destes desafios”. A informação disponível no site do Gabinete de Planeamento, Políticas e Administração Geral (GPP) sobre a estrutura do PEPAC “torna evidente” que as intenções do Estado Português para a aplicação do financiamento da PAC 2023-27 “não sofreram alterações significativas face ao anterior quadro comunitário”, apesar do contributo dos nove peritos convidados para acompanhar o processo de elaboração do PEPAC.

Continua por realizar uma “verdadeira reforma” da aplicação desta política em Portugal, capaz de operar uma “mudança transformadora” no sector da agricultura e nos sistemas alimentares tendo em vista a sua “sustentabilidade ambiental e social.”

O documento, “tal como está, não irá contribuir adequadamente” para o cumprimento dos objectivos do Pacto Ecológico Europeu. “Até aqui a ministra da Agricultura tem ignorado os peritos, as ONGA, a ciência, a saúde pública, em suma, a sociedade civil que exige um planeta mais sustentável para as próximas gerações”, frisam as organizações não-governamentais, que tornaram pública a sua preocupação sobre a nova PAC.

"Teme-se o pior"

Em tempo oportuno quiseram contribuir para a elaboração do PEPAC com propostas enviadas em Julho de 2020, mas “a maior parte não foi reflectida nos documentos postos em consulta pública no final do ano”, afirmam as organizações. “Alguns destes conteúdos são muito preocupantes e colocam em causa a Estratégia de Biodiversidade 2030, a Estratégia do Prado ao Prato e as metas da UE em matéria de mitigação e adaptação às alterações climáticas”, acrescentam.

Lembram ainda que a primeira versão do documento do PEPAC, que deveria ter sido tornada pública durante o presente mês em curso, foi adiada para Setembro quando Portugal “tem de apresentar a sua proposta à Comissão Europeia até 1 de Janeiro, o que faz temer o pior”, ou seja, vai-se “evitar o debate e a participação pública”.  

E lamentam que Maria do Céu Antunes persista em “ignorar” as vozes dos que “representam a sociedade civil, e que já disseram ser preciso mudar os conteúdos do PEPAC e a forma como se está a conduzir este processo”.

O PEPAC é um “importantíssimo” documento para Portugal ao canalizar a sua quota-parte do orçamento da PAC, que representa cerca de um terço de todo o orçamento da União Europeia. A nova PAC “determinará não só o tipo de produção de alimentos que teremos no futuro, mas também a natureza que queremos e que temos direito a ter de volta”, observam as ONGA.

Voltam a insistir: A proposta de arquitectura do PEPAC Português requer uma “profunda revisão” já que a actual proposta “não é positiva nem para o ambiente nem para o clima”.  

E consideram fundamental ter uma PAC que “premeie os agricultores que façam melhor no desempenho ambiental e climático; que produza alimentos sustentáveis, assegurando que pelo menos 30% das ajudas directas à produção contribuem também para benefícios para o ambiente e clima; fomente a biodiversidade criando mais espaço para a natureza, favorecendo as explorações agrícolas que promovam os valores de biodiversidade e elementos paisagísticos, principalmente na Rede Natura 2000.”  

Sobretudo, é crucial uma política agrícola que cumpra as metas do Acordo de Paris e que não apoie novos projectos de regadio que ameaçam a conservação dos agro-ecossistemas e o bom estado dos nossos aquíferos, rios e ribeiras, bem como as pessoas e biodiversidade que deles dependem, sublinham

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