“Nunca tinha visto uma festa tão grande”: na Islândia, o novo normal já é o antigo normal

As medidas de combate à covid-19 caíram a 26 de Junho. Ana, Cátia e Amélia, portuguesas a viver na Islândia, contam como é viver numa realidade pós-pandemia — que, às vezes, quase nem se lembram que aconteceu. Bares abertos, restaurantes sem limites de pessoas, máscaras no caixote do lixo. “É um alívio, é espectacular”, garantem.

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Elena de Soto/Unsplash

Na Islândia, há quem já nem se lembre que, ainda há pouco tempo, tinha de levar uma máscara para todo o lado. Lembram-se, sim, quando os turistas, estupefactos, perguntam se as que trouxeram na mala são inúteis. É o caso de Ana Costa, Cátia Ferreira e Amélia Fortunato, três portuguesas a viver em Freysnes, Reiquiavique e Laugarvatn, respectivamente.

Em comum têm, além de estarem a viver uma realidade pós-covid-19 (com direito a ruas e bares cheios), o facto de terem emigrado para a Islândia por aquilo que seria um curto período de tempo e terem acabado por alongar a estadia indefinidamente. Ana chegou em 2017, Cátia em 2018 e Amélia em Setembro de 2020, já em plena pandemia. 

“Em Portugal as coisas não estavam bem e aqui estavam um pouco melhores. Quando cheguei [os islandeses] nem estavam a usar máscaras em lado nenhum. Depois piorou um bocadinho e usamos máscaras só em locais fechados. Entretanto já não há restrições”, resume a lisboeta de 27 anos, agora a trabalhar num spa. E quando diz “não há restrições”, quer dizer isso mesmo. Literalmente. O país já não tem qualquer medida de combate à covid-19.

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Amélia Fortunato, 27 anos. DR

“Voltamos ao que era Janeiro ou Fevereiro do ano passado”, sublinha Cátia, 30 anos, natural de Viseu. Não é obrigatória a utilização de máscaras em nenhum contexto, não há limite de pessoas nos restaurantes, nos cafés ou nos bares, não há hora de ir para casa. “É um alívio, é espectacular”, afiança Amélia.

As medidas restritivas caíram a 26 de Junho, tempo suficiente para Ana quase se ter esquecido que uma pandemia continua a assolar o mundo. A trabalhar como recepcionista num hotel, a vimaranense de 27 anos lembrou-se da covid-19 na semana passada, quando um grupo de turistas, ao fazer check-in, se mostrou surpreendido por não haver máscaras ou necessidade de cumprir distanciamento social: “Já estamos há cerca de mês e meio sem usar máscaras, sem distanciamento. Para eles foi um choque e eu nem me tinha apercebido.”

As regras foram sendo aliviadas gradualmente, com passos para a frente e para trás, à semelhança do que tem acontecido em Portugal. Ainda que, por lá, a gestão da pandemia tenha sido algo diferente — e, na verdade, exemplar. Em Março de 2020, era o país que mais testava à covid-19, o que, aliado ao facto de ter uma população abaixo dos 400 mil habitantes, permitiu que a infecção não ultrapassasse os seis mil casos e as 30 mortes.

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Cátia Ferreira, 30 anos. DR

Por isso mesmo, “as pessoas na Islândia nunca tiveram muito receio, passou um bocadinho ao lado”, conta Amélia. “Rapidamente me adaptei ao estilo deles e deixei de ter o comportamento de cumprimentar com o cotovelo, por exemplo. Aqui sempre vi abraços entre amigos.”

A gestão foi feita à base da “tentativa-erro”, assegura Cátia. “A Islândia, como está um bocadinho isolada, não foi logo atacada (em Março de 2020).” Quando surgiam muitos casos, implementavam, por exemplo, o teletrabalho. Quando o número de casos descia, os islandeses voltavam ao escritório. “No geral, e depois, quando se começou a conhecer melhor a doença e como se conseguiria prevenir a propagação da mesma, o Governo criou restrições que as pessoas conseguiram de facto respeitar”, atira.

O turismo, área em que trabalha, foi o sector mais afectado — e chegou a custar o emprego a Ana, entretanto recuperado. Mas está de volta em força, sendo que quem visita o país tem apenas de apresentar o certificado de vacinação ou, caso ainda não o tenha, apresentar um teste PCR negativo. Depois, os turistas devem cumprir quarentena de cinco dias num hotel pago pelo Estado e, após esse período, realizar outro PCR.

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Ana Costa, 27 anos. DR

Depois disso, só têm de aproveitar a normalidade — muito bem recebida por quem lá vive. “No dia em que retiraram as restrições, a Islândia entrou em loucura. Fomos todos sair e as ruas principais de Reiquiavique estavam ao rubro. As pessoas estavam totalmente livres e soltas, como se tivessem saído de uma pequena guerra”, descreve Amélia. “Nunca tinha visto uma festa tão grande”, continua, antes de dizer que tinha “noção do privilégio” que era estar prestes a ir, no dia em que falou com o P3, a uma festa, sem precisar de levar máscara ou um teste negativo. “É mesmo vida normal, pré-covid. Os bares fecham às quatro ou cinco da manhã, não têm limite de pessoas, não têm absolutamente nenhuma restrição.”

E como é ter permissão para tocar nos outros? Cátia diz que ainda lhe passa pela cabeça a pergunta “Será que podemos?”, rapidamente ultrapassada quando se lembra que uma grande percentagem da população, cerca de 70%, já está totalmente vacinada. E Amélia confessa que, no início, sentia receio, também ultrapassado com alguma facilidade. “Uma semana depois [de as restrições terem sido levantadas], confiei no sistema e não senti mais necessidade de usar máscara em lado nenhum.”

A percepção que tem é de que as pessoas, “principalmente os jovens, estão a viver mais intensamente”. Ana corrobora, mas acredita que alguns hábitos vieram para ficar: “Acho que aprendemos, finalmente, que se estamos doentes não podemos estar à beira de outras pessoas”, refere. E que os desinfectantes vão continuar a fazer parte do nosso quotidiano. Pequenas acções que “são positivas”, avalia Amélia, e totalmente suportáveis numa realidade onde o novo normal já é o antigo normal. Apanhamos o avião?

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