Assis diz que CES deve repensar o seu papel

Presidente do CES há um ano, Assis quer dar novas dimensões de actuação a este organismo de concertação social, cuja importância “é fulcral”. Militante socialista, avisa que só irá ao congresso do PS como convidado pelas suas funções.

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Francisco Assis é presidente do CES há um ano LUSA/MIGUEL A. LOPES

O presidente do Conselho Económico e Social (CES), Francisco Assis, considera que se deve aproveitar os 30 anos desta entidade para repensar o seu modelo e para valorizar o seu papel na sociedade portuguesa.

O CES foi formalmente criado em Agosto de 1991, mas não vão ser promovidas grandes comemorações para assinalar os 30 anos, será criada uma nova imagem, com um novo sítio na internet, e um documento histórico para marcar a data.

Francisco Assis prefere aproveitar a efeméride para “fomentar a reflexão e o debate” sobre o papel do CES na sociedade portuguesa e encarregou o académico Miguel Poiares Maduro de coordenar esse trabalho.

O objectivo é tentar saber que CES devemos ter actualmente e se os sectores da sociedade portuguesa estão ali devidamente representados.

“Acho que há questões a rever e queremos revalorizar o Plenário do CES e pôr as comissões e grupos de trabalho a funcionar a todo o gás”, disse Francisco Assis em entrevista à agência Lusa.

Está prevista a alteração do regulamento interno do CES e vai ser estudada uma proposta de alteração da sua constituição, que será posteriormente entregue aos grupos parlamentares.

Para o seu presidente, o CES não pode ser apenas a entidade que emite os pareceres constitucionalmente previstos, nomeadamente sobre o Orçamento do Estado ou as Grandes Opções (GO), e também não pode ser apenas a entidade que alberga a Comissão Permanente de Concertação Social.

“Este é um momento de transformação e o CES tem que assumir o seu papel, (...) sem desvalorizar a concertação, é preciso fazer do CES um pólo de produção de pensamento”, disse.

Entre as apostas do CES estão vários estudos, já iniciados ou prestes a sê-lo, sobre temas de interesse social, como é o caso de um sobre as condições socioeconómicas da comunidade cigana.

“É um tema que também pode ser discutido aqui no CES, depois de ter sido tema de debate político de uma forma que me pareceu perfeitamente obscena, nas eleições presidenciais”, disse o presidente do Conselho.

Outro estudo, que deverá ter resultados até final do ano, foi encomendado à universidade do Minho, e tem como objectivo apurar o grau de dependência de determinados extractos sociais das lotarias instantâneas, as raspadinhas.

Segundo Francisco Assis, não existem estudos actualizados sobre a matéria, mas existem indícios de que existem situações de dependência deste jogo por parte de camadas sociais mais carenciadas.

O presidente do CES considerou que deveria ser a própria Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a promover o estudo que o CES encomendou.

“Fulcral para o país”

O presidente do Conselho Económico e Social, Francisco Assis, considerou que a Concertação Social é fulcral para o desenvolvimento do país e que o último ano, com a pandemia, mostrou a importância do diálogo social para encontrar respostas mais eficazes.

“Continuo a considerar a Concertação Social muito importante, senão não estava aqui. (...) A Concertação Social é fulcral para o país”, disse Francisco Assis em entrevista à agência Lusa.

Referiu, a propósito, que os países europeus que, nos últimos 60 anos, mais apostaram na concertação social, são actualmente os países mais desenvolvidos. “Nenhuma sociedade democrática consegue sobreviver sem consensos”, disse.

Segundo Francisco Assis, este ano, com a crise causada pela pandemia da covid-19, “ficou demonstrada a importância da Concertação Social”.

“Ganhou-se muito com os encontros permanentes de Concertação Social (...), tem havido uma articulação muito importante que tem ajudado muito o país. Este ano verificou-se que o diálogo social é muito importante e que contribuiu para que as respostas fossem mais rápidas e eficazes”, disse.

Lembrou, a propósito, que a crise gerada pela pandemia causou uma perda de 16 mil milhões de euros na economia, mas o Estado insuflou mais 12 mil milhões de euros, o que “evitou uma crise tremenda”.

O presidente do CES reconheceu que a pandemia da covid-19 tem condicionado a actividade da Concertação Social, tornando as reuniões da Comissão Permanente de Concertação Social (CPCS) quinzenais e quase exclusivamente dedicadas aos problemas que as empresas e os trabalhadores enfrentam, “como não podia deixar de ser”.

Considerou oportuna a regulamentação do teletrabalho e do trabalho através de plataformas digitais, o que levará a alterações da legislação laboral, desde que sejam discutidos com profundidade na Concertação Social, independentemente de a responsabilidade legislativa ser da Assembleia da República.

“Há questões que estão em aberto e têm de ser reguladas. Vejo vantagem em avançar já com essa matéria e não acho que tenha havido precipitação do Governo”, disse.

No entanto, salientou que outras alterações da legislação laboral que possam vir a ser feitas devem ter em conta o Acordo de Concertação Social Tripartido de 2018.

“Tudo o que possa pôr em causa um acordo de concertação social é negativo. (...) Os acordos têm de ser cumpridos e, quando se entende que devem ser alterados, também têm de ser discutidos aqui [na CPCS]”, defendeu.

Segundo Francisco Assis, qualquer alteração à legislação laboral deve ser amplamente discutida na CPCS, “sob pena de se criar um ambiente de conflitualidade social muito negativa”.

“Uma visão mais vasta”

O antigo deputado socialista Francisco Assis foi eleito presidente do Conselho Económico e Social há uma ano e considera que esta é uma das experiências mais positivas da sua vida, porque lhe tem dado uma visão mais vasta do país.

“Ao fim de um ano, devo dizer que tem sido uma das experiências mais positivas da minha vida. A partir daqui tem-se uma visão mais vasta do que é o país”, disse Francisco Assis em entrevista à agência Lusa.

O presidente do Conselho Económico e Social (CES) contou que tem andado muito pelo país, e pretende continuar a andar, visitando nomeadamente universidades e institutos politécnicos, que “estão a fazer coisas muito boas, que não são devidamente conhecidas”.

“Isso é também uma missão que me atribuí: dar a conhecer o que de melhor há em Portugal”, afirmou.

Francisco Assis foi eleito pela Assembleia da República em 16 de Julho de 2020, sucedendo ao antigo ministro socialista Correia de Campos.

Reconheceu que este primeiro ano na presidência do CES “foi um ano um pouco atípico devido à situação de pandemia”, mas tentou dar um sinal de mudança através das pessoas que escolheu para colaborarem com o Conselho, trazendo consigo experiências académicas em áreas especificas que pretende ver analisadas e debatidas.

Como tinha direito a escolher dois vice-presidentes, escolheu dois professores universitários, um da área económica, e outra especializada em questões de igualdade de género.

“Pela primeira vez temos mulheres na vice-presidência do CES”, salientou referindo-se à professora e investigadora Sara Falcão Casaca e à líder da CGTP, Isabel Camarinha, que assumiu o lugar no âmbito de um sistema de rotatividade.

Miguel Poiares Maduro, Ana Drago e Morais Leitão foram algumas das personalidades convidadas por Francisco Assis para coordenarem trabalho de análise e reflexão para servir de base a futuros debates.

Neste âmbito estão a funcionar no CES três comissões: uma para analisar a situação socioeconómica, outra para questões de ordenamento do território e outra para questões relacionadas com a natalidade.

Francisco Assis pretende que a da natalidade se transforme numa comissão mais geral virada para a demografia, tendo em conta que a baixa taxa de natalidade pode levar ao decréscimo da população.

Foram também criados três grupos de trabalho, um deles na comissão económica e social para estudar o crescimento económico.

“Queremos saber por que é que a economia portuguesa está estagnada há cerca de 20 anos”, disse, considerando que esta “é uma reflexão estrutural”, com base em estudos que já foram produzidos por várias universidades e fundações.

O objectivo é pôr os académicos convidados a trabalhar com especialistas exteriores ao CES e de dentro CES, com vista à produção de documentos e ao mesmo tempo lançar, a partir do Outono, uma série de debates sobre os assuntos estudados.

“Mas a questão principal é criar a partir do CES um grupo de trabalho que produzisse reflexão que fosse a base para um debate mais amplo na sociedade portuguesa e cujos resultados serão transmitidos às instâncias decisórias, seja a Assembleia da República, seja o Governo”, explicou o presidente do Conselho.

Segundo Francisco Assis, no Outono, após as eleições autárquicas, o CES já deverá ter resultados suficientes dos vários grupos de trabalho e comissões para avançar com os debates temáticos.

É o caso da comissão de saúde, que considerou vital nesta fase de pandemia, cujo trabalho está a ser coordenado pelo professor Adalberto Santos Fernandes, que foi ministro da Saúde.

“Queremos abrir o CES à participação pública e ao país, até numa perspectiva de descentralização”, afirmou Francisco Assis.

Assis e o congresso do PS

Francisco Assis só irá ao congresso do PS se for convidado a assistir enquanto presidente do Conselho Económico e Social (CES), porque não tem qualquer responsabilidade ou actividade partidária, nem pretende ter enquanto se mantiver nas actuais funções.

“Não sou membro de nenhum órgão do partido, nem me candidatei a delegado ao congresso, por isso nem sequer tenho lugar no congresso, quando muito irei lá como convidado, se houver condições para convidarem”, disse o presidente do CES em entrevista à agência Lusa, lembrando que é usual os partidos convidarem diversas entidades para assistirem aos seus congressos.

Assim, se a pandemia da covid-19 não impedir o PS de ter convidados na sua reunião magna, Francisco Assis lá estará, em Agosto, na qualidade de presidente do CES.

“Se houver condições para tal, irei com todo o gosto, como irei a congressos de outros partidos que me convidem”, afirmou.

Francisco Assis assegurou que o PS continua a ser o seu partido, mas considerou que não faz sentido ser presidente do CES e continuar a ter actividade partidária, por isso nem sequer opina sobre questões político partidárias.

“Não reneguei nada, toda a gente sabe qual é o meu posicionamento político e partidário, mas neste momento, de certa maneira, há uma suspensão da minha actividade no interior do partido, não fazia sentido estar aqui [na presidência do CES] e ter actividade no PS”, disse.

Lembrou que, depois de ter sido deputado europeu, entre 2014 e 2019, esteve um ano sem qualquer tipo de intervenção política, limitando-se à actividade cívica e ao comentário político, que também deixou de fazer quando foi eleito para o CES, há um ano.

Francisco Assis disse ainda à Lusa que não se iria pronunciar sobre questões relacionadas com o PS ou com o seu próximo congresso.

“Não tenho condições objectivas para dar opinião sobre o que se vai passar no congresso”, disse, acrescentando que depois de sair do CES não deixarei de ter intervenção pública.

O 23.º Congresso Nacional do Partido Socialista estava marcado para este fim de semana (10 e 11 de Julho), mas foi adiado para 28 e 29 de Agosto, devido ao agravamento da situação pandémica.

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