Os Açores e a pandemia covid-19: uma janela de oportunidades para um turismo sustentável

Os Açores, sendo um destino de natureza, seguro e sustentável, devem privilegiar o posicionamento junto dos segmentos médio alto do mercado turístico mundial, que valorizem a nossa oferta.

Sendo o aconselhamento um dos vetores estratégicos de atuação do Observatório do Turismo dos Açores (OTA) e face à pandemia atual, que afeta o turismo mundial, acho oportuno tecer algumas considerações sobre o futuro do turismo na Região Autónoma dos Açores, que possam ser úteis quer aos responsáveis pelas políticas de turismo, quer a todos os atores púbicos e privados regionais implicados. Assim, gostaria de incidir esta minha reflexão no longo prazo. 

No longo prazo, defendo que a estratégia correta, num momento em que a pandemia covid-19 surge como uma janela de oportunidades única para reposicionar o destino Açores, é a de captar “menos turistas e mais receitas”, colocando o destino num patamar superior de qualidade e preços. Ora, ao compararmos a taxa de crescimento médio anual dos hóspedes e dormidas com a das receitas nos estabelecimentos hoteleiros da região, em séries longas, entre 2000 e 2018, antes da pandemia, verificamos que as políticas turísticas adotadas não têm privilegiado a captação de receitas, mas sim o aumento no número de turistas, com gastos relativamente baixos. Portanto, surge a oportunidade de aumentar quer a qualidade, quer os preços, mantendo um rácio qualidade/preço competitivo. São estratégias semelhantes às de outros destinos insulares, tais como a Islândia, a Nova Zelândia, ou as Maldivas e as Maurícias, todos destinos de sucesso, onde a tónica das políticas turísticas está no aumento das receitas e não do número de turistas. 

Como dissemos, esse reposicionamento do destino Açores pode, paradoxalmente, beneficiar da atual crise pandémica, no âmbito de um novo contexto, ditado pelas recentes tendências do turismo, que passarei a analisar, resumidamente.

A pandemia covid 19 veio mudar o paradigma do turismo mundial. Assim, as tendências atuais mostram que existe uma maior procura quer por destinos turísticos seguros e certificados com selos do tipo “clean and safe”, quer por destinos de natureza, por parte dos turistas viajando de férias e dos turistas temporários, como os nómadas digitais, quer ainda pelo turismo residencial e, também, por privacidade, aliada aos destinos menos massificados.

Tudo isto conjugado quer com a emergência de uma classe média alta, tanto nos países ocidentais, como nos países asiáticos, emissores de turistas, quer com a existência de uma procura turística potencial, latente. Esta explodirá após a vacinação, atingindo-se a imunidade de grupo, o que dá origem, no caso da União Europeia, ao “Certificado Verde Digital Europeu” ou “Passaporte Verde “e cujo exemplo será seguido por outros países e regiões do mundo, criando-se, assim, as novas autoestradas do turismo internacional.

Portanto, os Açores, sendo um destino de natureza, seguro e sustentável, reconhecido através de vários prémios internacionais recentes, e de grande beleza, constituído por um ecossistema frágil, devem, no nosso entender, privilegiar o posicionamento junto dos segmentos médio alto do mercado turístico mundial, que valorizem a nossa oferta e, respeitando a baixa capacidade de carga do destino. E, devem fazê-lo através da qualificação da mão-de-obra e da aposta nas novas tecnologias, inovando, diversificando e requalificando o destino, aumentando a qualidade e a produtividade, fonte de redução de custos.

Ou seja, através de políticas e estratégias de concorrência de longo prazo, mais eficazes, tais como: fortalecer a marca Açores; intervir minimamente no normal funcionamento do mercado, repensando e ajustando as políticas de incentivos ao investimento turístico, de modo a evitar distorções na afetação de recursos escassos; substituir uma promoção mais generalista por uma promoção mais focada, atingindo os segmentos alvo de turistas da classe média alta emergente e apostando cada vez mais no marketing relacional digital, criando uma conexão emocional com esses segmentos alvo, incentivando-os a repetir a visita; adotar uma política de educação, abrangendo a educação ambiental e uma politica de formação profissional capaz de satisfazer as reais necessidades das empresas, formando os ativos que trabalham no turismo nas necessárias competências técnicas e tecnológicas, incluindo a literacia digital, e nas competências pessoais (soft skills); dinamizar o turismo sénior, em particular o dos alunos das Universidades de Terceira Idade (incluindo o turismo sénior virtual) como meio de esbater a sazonalidade, através de um segmento de rendimentos elevados e que procura viagens culturais e de aprendizagem, como as que são organizadas pela Associação Mundial de Universidades da Terceira Idade (AIUTA), sediada na Universidade de Toulouse.

Isto em vez de atrair o turismo sénior social, de baixos rendimentos, como sucedeu, no passado, com o turismo sénior social sueco; apostar na diversificação dos transportes aéreos e nas ligações diretas aos principais mercados emissores de turistas; apoiar as políticas de sustentabilidade ambiental, aliadas a políticas culturais e ao turismo criativo, como fonte de inovação; criar novos produtos e experiências capazes de atrair novos mercados, mas numa estratégia de dispersão concentrada nos recursos endógenos, que possuímos em abundância, fonte das nossas vantagens comparativas. Trata-se de oferecer experiências altamente valorizadas pela classe média alta dos países ricos, incluindo a França, a Suíça e a Espanha, com quem abrimos ligações aéreas diretas, recentemente.  

Tudo isto são estratégias de concorrência, as quais não se baseiam em economias de escala portadoras de custos baixos e na massificação do destino, atraindo um grande volume de turistas que gastam pouco, porque não valorizam a oferta diferenciada do nosso arquipélago, muito sensíveis a subidas de preços e atraídos por uma oferta estandardizada e de baixa qualidade. 

Assim, as políticas de subsídios devem apoiar unidades de pequena e média dimensão, que sejam uma montra do destino de natureza, sustentável, fortalecendo a marca Açores e as quais, para sobreviverem no longo prazo, devem apostar em clientelas de nicho, com base numa oferta diferenciada e personalizada e numa “gestão magra” (lean management) e flexível. É esse o caminho de sucesso para conseguirmos cumprir com a visão de sermos, no longo prazo, o melhor destino turístico insular de natureza europeu. 

Um apontamento final para dizer que o Observatório do Turismo dos Açores (OTA) é um exemplo de boas práticas em matéria de turismo sustentável, integrando a rede de Observatórios do Turismo Sustentável da Organização Mundial do Turismo. Temos orgulho em sermos o primeiro Observatório do Turismo a nível regional a surgir no país. Isto, quando surgem, atualmente, vários Observatórios do Turismo espalhados pelo mundo e pelo território nacional, estes últimos sob a égide do Turismo de Portugal, entidade com quem colaboramos, e com os quais estabelecemos parcerias, como é o caso do Observatório do Turismo Sustentável do Alentejo. Os nossos vetores de ação estratégica, que incluem monitorizar, estudar, aconselhar e informar sobre a atividade turística regional, numa produção de cariz científico, rigorosa e independente, são um apoio fundamental à tomada de decisões baseadas no conhecimento quer pelos agentes privados, quer pelo Governo Regional dos Açores.

Termino, com a noção de não ter esgotado o tema, a que espero voltar. Mas, espero ter alimentado uma reflexão pertinente sobre um tema que nos afeta a todos e do qual não nos podemos alhear, numa atitude de responsabilidade intergeracional, de cariz universal, no mundo do futuro. 

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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