Moradores e junta criticam projecto de residência de estudantes em Alcântara

Junta pôs-se ao lado de moradores que estão preocupados com o possível impacto negativo da obra no bairro. Carta com perguntas a Ricardo Veludo ficou sem resposta.

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Nuno Ferreira Santos
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A construção de uma residência universitária num bairro de Alcântara está a deixar inquietos os moradores e a criar um conflito entre a junta de freguesia e a Câmara de Lisboa. O autarca local, Davide Amado, admite mesmo “ir para os tribunais para impedir a construção do lote”.

No centro da discórdia está um terreno vago entre a Rua Pinto Ferreira e a Rua Artur Lamas, perto da Junqueira, para onde está prevista a construção de uma residência com 124 apartamentos e capacidade para 166 estudantes. O licenciamento da obra foi aprovado na câmara em Julho do ano passado com os votos favoráveis de PS, PSD e BE e as abstenções de CDS e PCP, mas só em meados de Abril é que residentes e junta se aperceberam do que estava previsto.

“Não estamos contra a construção, sabemos que isto é um buraco que vai ter de ser construído. A questão é: a que preço?”, afirma Marta Silva, moradora e uma das primeiras subscritoras de uma petição contra o projecto que já chegou à Assembleia Municipal de Lisboa.

“Não somos contra a construção do equipamento, mas as pessoas têm de ser ouvidas”, diz o presidente da junta. “O que nos preocupa é o licenciamento ter sido feito sem o conhecimento de ninguém”, comenta Davide Amado (PS), que no fim de Abril enviou uma carta com 14 perguntas ao vereador do Urbanismo, Ricardo Veludo, à qual não obteve resposta.

O PÚBLICO fez perguntas à Câmara de Lisboa sobre este assunto há várias semanas, mas não obteve resposta. Também não conseguiu chegar à fala com ninguém da Xior, empresa responsável pela construção e futura exploração da residência estudantil.

Os moradores estão preocupados com o possível impacto negativo que a obra pode ter no bairro ao nível da volumetria, do ruído, do escoamento de águas e do estacionamento. “Choca-nos a ocupação quase total do lote. Estamos numa vala, em zona de cheia, a permeabilidade devia ser uma prioridade na apreciação dos processos”, diz Adriana Almeida.

De acordo com documentos produzidos pelos serviços de Urbanismo, está previsto um edifício com quatro pisos à superfície e um em cave com 88 estúdios, 33 T0 e três T1, bem como salas de estudo e de convívio, cafetaria, lavandaria, ginásio e balneários. Para a cobertura, que será plana, prevê-se a instalação de equipamentos técnicos, como ares condicionados.

Sobre este ponto, que é um dos que motiva mais apreensão entre moradores, que temem o impacto visual e sonoro da instalação, a câmara terá dito que podia desligar os ares condicionados se fizessem muito barulho, mas quem aqui mora desconfia da promessa porque isso poria em causa a vivência dentro do edifício.

Depois de se terem ido manifestar a uma reunião pública da autarquia, em Abril, um grupo de residentes foi recebido por assessores dos vereadores do Urbanismo e da Mobilidade, mas saiu insatisfeito do encontro. “Reduziram a nossa discussão ao problema do estacionamento, que não é de todo o que estamos a falar”, queixa-se Adriana Almeida. “Não nos conhecendo, assumiram à partida que nós não conhecíamos o assunto e mandaram-nos ler estudos.”

“Estamos a falar de uma volumetria enorme”, diz Davide Amado, referindo que se prevê “um aumento de 25% no número de pessoas”, uma vez que “moram aqui 600 pessoas”. “E mais de metade assinaram a petição, por isso alguma coisa não está bem”, comenta o autarca.

Na sua carta a Ricardo Veludo, o presidente da junta pergunta se foi tido em conta o sistema de vistas, como foram salvaguardadas as características acústicas da envolvente, quais as soluções de controlo de inundações adoptadas, se a Protecção Civil foi consultada sobre o projecto e como é que se justifica a altura máxima da fachada. Por outro lado, a junta também não compreende porque é que estão previstos 17 lugares de estacionamento automóvel, argumentando que o número correcto devia ser de 50 a 124, consoante o critério seja mais ou menos restritivo.

Na análise do projecto, os serviços de Mobilidade consideraram “satisfatório” o número de lugares proposto e a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) deu parecer favorável condicionado aos trabalhos de arqueologia.

O que suscitou mais dúvidas internas foi mesmo a cobertura plana, que foi considerada “desenquadrada da envolvente urbana” por duas vezes, em 2019. O chefe da Divisão de Projectos de Edifícios diria, no entanto, que as coberturas planas não são necessariamente proibidas, tendo que se adaptar à envolvente, o que mereceu concordância do director do Departamento de Licenciamento de Projectos Estruturantes. Em 2020, depois de a DGPC ter proposto um “sistema de ocultação” dos ares condicionados da cobertura, o assunto foi colocado à consideração superior e levado a reunião de câmara.

“Só pedimos que seja reanalisado este processo”, diz Davide Amado. “Revejam, verifiquem se todos os parâmetros se cumprem. São questões muito específicas, não são estados de alma.”

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