Três membros dos Médicos Sem Fronteiras assassinados na Etiópia

Os corpos de uma espanhola e dois etíopes foram encontrados a poucos metros do veículo onde seguiam. Governo etíope lamenta e culpa os rebeldes. EUA, União Europeia, ACNUR, OMS e Cruz Vermelha condenam.

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María Hernández, a coordenadora de emergência dos Médicos Sem Fronteiras na região de Tigré, foi uma das assassinadas LUSA/MSF HANDOUT

Três membros dos Médicos Sem Fronteiras (MSF) foram assassinados na Etiópia, na região de Tigré, cenário de um conflito armado nos últimos meses, entre eles uma espanhola, María Hernández, coordenadora de emergência na zona. Os dois outros assassinados são o assistente de coordenação Yohannes Halefom Reda e o motorista Tedros Gebremariam, ambos etíopes, anunciou a própria organização.

“Perdemos contacto com eles e o automóvel em que viajavam ontem à tarde [quinta-feira] e esta manhã [sexta-feira] o veículo foi encontrado vazio e, a uns metros de distância, os seus corpos sem vida”, informou a MSF em comunicado, condenando “com dureza” o ataque. “Hoje é um dia terrível de luto”, acrescenta o comunicado.

A MSF recorda que “María, Yohaness e Tedros estavam ali a ajudar a população e é impensável que tenham pagado com a sua vida por isso”.

O Governo etíope apressou-se a lamentar a morte dos três cooperantes e a lembrar que o trágico incidente aconteceu numa zona onde operam os rebeldes da Frente de Libertação do Povo Tigré (FLPT), que as forças governamentais combatem há meses.

“O Governo de Etiópia quer expressar as suas condolências pela morte de três integrantes da MSF, uma espanhola e dois etíopes em Abi Adi, Tigré, onde o FLPT opera activamente”, afirmou o Ministério de Negócios Estrangeiros etíope na sua conta no Twitter.

O executivo lembrou que tinha pedido que as organizações integrassem “escoltas militares” quando viajam nessas zonas “para evitar que sucedam assassínios tão trágicos como os que comete esse grupo irresponsável”.

A ministra dos Negócios Estrangeiros espanhola, Arancha González Laya, além de lamentar no Twitter a morte dos três cooperantes e manifestar a sua “grande tristeza”, disse ainda que o seu ministério está em contacto com as autoridades etíopes “para esclarecer os factos e repatriar o corpo” de María Hernández, de 35 anos.

O alto comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, afirmou que este episódio veio alertar para “a escalada do conflito na região etíope de Tigré” e pediu a todos os actores no terreno que trabalhem para proteger “os civis e os trabalhadores humanitários no terreno”.

Grandi referiu-se às “centenas de civis que ficaram feridos ou foram mortos nos ataques aéreos contra um mercado em Tigré, próximo de Mekelle” no princípio desta semana, uma tragédia que faz lembrar que “a situação humanitária é cada vez mais grave, com a ameaça da fome, o aumento dos deslocados e os relatos constantes de violações de direitos humanos”.

“Os civis, incluindo os refugiados, já sofreram bastante”, disse o alto comissário, que solicitou às autoridades que permitam ao “ACNUR e a outras agências humanitárias que os ajudem”. “Só a melhoria da segurança e a entrada e o acesso a todo o Tigré” poderá trazer ajuda “quem mais desesperadamente a necessita”.

De acordo com os últimos números da ONU, 3,7 milhões das 5,2 milhões de pessoas que necessitavam de ajuda humanitária na região de Tigré já foram atendidas, mas há ainda um milhão e meio de pessoas que continuam à espera.

"Investigação independente"

Os Estados Unidos e a União Europeia também lamentaram a morte dos três membros dos MSF, com Washington a pedir “uma investigação independente e que os autores sejam responsabilizados por estes assassínios”, afirmou o porta-voz do Departamento de Estado, Ned Price, que salientou ser o Governo etíope “plenamente responsável por garantir a segurança dos trabalhadores humanitários e o acesso livre e sem obstáculos à ajuda humanitária”.

“Junto com os bloqueios permanentes aos trabalhadores humanitários que prestam assistência às pessoas apanhadas neste conflito”, a morte destes três membros dos MSF “representa outro trágico ataque aos trabalhadores humanitários em Tigré”, disseram, em comunicado conjunto, o Alto Representante da UE para a Política Externa e a Segurança, o espanhol Josep Borrell, e o comissário europeu da Cooperação Internacional e Desenvolvimento, Janez Lenarcic.

Borrell e Lenarcic pediram um cessar-fogo “imediato” e “urgente” em Tigré e “o acesso humanitário e sem restrições a todos os afectados pelo conflito na região”.

Também a Organização Mundial da Saúde condenou “o assassínio dos três colegas em Tigré” e o director-geral da Cruz Vermelha Internacional, Robert Mardini, considerou a situação “inaceitável”.

“Médicos. Enfermeiras. Paramédicos. Pessoal médico. Não fazem parte da luta. Estão aí para ajudar qualquer pessoa que precise de atenção”, lembrou Mardini na sua conta no Twitter.

O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, prémio Nobel da Paz em 2019, anunciou em Novembro do ano passado o início de uma ofensiva militar contra a FLPT, em resposta a um ataque do grupo contra a principal base do exército em Mekelle.

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