Perder o pé

A direita perdeu o pé e deixou de ser realista e pragmática. E o Governo perdeu o pé ao “passar” uma narrativa falsa de critérios injustos por parte dos britânicos aos portugueses.

Uma parte do centro-direita e direita portuguesa começou a perder o pé quando demasiados dirigentes políticos relativizaram ou apoiaram fenómenos como Trump e, depois, Bolsonaro.

Fanáticos ideológicos e de outra espécie à parte, poucos não deixaram de reconhecer o erro mais tarde. A narrativa de “um dos nossos” foi transportada e utilizada para combater o bicho papão da cultura marxista e daí nasceu todo um programa vazio. Até o mini aprendiz, no país e tempo errado, continua a ser tratado com o maior dos cuidados em determinados círculos. Num dos muitos erros de cálculo político, percetível ao simples vislumbre do último congresso do Chega ou noutro olhar mais cuidado sobre certos indicadores, cheirou-lhes ali a poder.

Tirando André Ventura e cada vez menos, o Bolsonaro passou a ser para esta direita o extremista doentio que sempre foi e com a incompetência política que sempre teve escrita na testa. Mas há uma narrativa que ficou entranhada desde aí e não descola, para grande flagelo do país e de algumas das próprias incongruências do PS e da esquerda.

Aquela que vive obcecada com o tal marxismo cultural, extensível aos meios de comunicação social na sua maioria. Que retrata o PS aos olhos do socialismo dos anos 70, em vez de o combater eficazmente. A que vê no PCP uma das grandes ameaças nacionais, como se o comunismo fosse em 2021 um projeto de poder em Portugal e, com mais ou menos caso, abana a bandeira da venezuelização de Portugal. Que criou em Rui Rio uma personagem que aparenta estar hoje desconfigurado da sua essência política, seja ela qual for, surgindo agora como um twiteiro profissional. Ou ainda o MEL, que acabou por dedicar mais tempo a debater o politicamente correto da esquerda, do que a proposta ao PRR, por exemplo.

A direita que perdeu o pé e que caricatura outra deixou de ser realista e pragmática. Vive no contraponto da esquerda à esquerda do PS sem percebê-lo, ignorando que esta sempre foi de um moralismo muitas vezes bacoco e que aquilo com que tanto perdem tempo e a acusam agora sempre esteve lá ontem, com outras cores e adjetivos.

Com o peso que tem no seu espaço político, sem olhar para dentro e para fora de forma a recuperar o essencial do que perdeu, com esta direita assim, o Partido Socialista nem precisa de ter mão enquanto governa.

O que é, naturalmente, péssimo para o país.

Veja-se Fernando Medina que, ao referir que o processo de desconfinamento em Lisboa deve ser paralisado ou abrandado, deu razão ao governo britânico na sua decisão de retirar Portugal do corredor verde aéreo há poucos dias. Torna-se de evidente bom senso que nos tenham retirado quando não existe país sem Lisboa e a “situação não está fácil” na capital. Naturalmente que a situação não ficou assim do dia para a noite.

Há algo de essencial a reter a partir daqui quando se constata que o Governo português quis “passar” uma narrativa falsa de critérios injustos por parte dos britânicos durante demasiados dias aos portugueses.

É grave e perdeu o pé.

Já a campanha de Carlos Moedas em Lisboa ganhou-o e parece ter finalmente acertado o passo. Essencialmente, porque o próprio sabe e tem defendido o controlo da pandemia como fator primordial, não só a nível humano, como económico. Ora, as últimas projeções económicas da OCDE e Banco Mundial para 2022 estão alinhadas com isso e no próprio reflexo da atração turística como consequência.

Ironicamente, Portugal, até às últimas duas semanas, era projetado com um crescimento do PIB superior ao que era expectável, exatamente com base nestes fatores.    

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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