O Governo decide, mas Marcelo também dita o sentido da gestão da pandemia

Na sexta-feira, há uma nova reunião no Infarmed para analisar a evolução da pandemia e para debater as regras a aplicar no futuro para conter a covid-19.

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Marcelo e Costa funcionam como dupla na gestão da pandemia LUSA/TIAGO PETINGA

Não foi a primeira vez que o fez e, provavelmente, não será a última. Na terça-feira, à hora em que António Lacerda Sales falava à comunicação social sobre os planos para Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa surgia, em directo, nas televisões, a afastar um novo estado de emergência e a pedir medidas com base em vários indicadores. Já esta quarta-feira, o Presidente defendeu que a matriz de risco que tem servido de base para o processo de desconfinamento​ deve ser mudada. Pistas para o que aí vem.

“Aparentemente, há especialistas que, de forma crescente, dizem que é preciso ir começando a repensar, e o Governo também já disse que é preciso estudar e repensar. Por uma razão muito simples: o mundo vai abrir, nós vamos regressando a uma actividade mais normal, mais cedo ou mais tarde”, disse Marcelo aos jornalistas, após visitar uma exposição no Museu das Artes de Sintra, no distrito de Lisboa.

“Não, não se trata de encontrar uma maneira artificial de fugir à aplicação de critérios. Não, trata-se é de fazer uma ponderação à luz de dados novos”, explicou, considerando que ele próprio sempre defendeu um ajustamento. “Mas sempre respeitei a opinião dos especialistas e a decisão do Governo”, assegurou.

Quanto aos dados novos dados, o Presidente repetiu o que dissera menos de 24 horas antes: “Temos esta quarta-feira acima dos 80 [anos] praticamente todos vacinados, acima dos 70 praticamente todos, acima dos 60 praticamente todos, acima dos 50 um número muito significativo. Vai passar a ser acima de 40 e acima de 30”, apontou.

Na terça-feira, o Presidente havia dito que “com a vacinação que já existe e com a que virá mais acelerada, o número de casos por si só não chega” para avaliar a situação. “​É necessário avaliar o número de internamentos, de cuidados intensivos e o número de mortes”, disse.

Na sexta-feira realiza-se uma nova reunião do Infarmed para analisar a evolução da pandemia e a debater o estudo solicitado pelo Governo aos professores Raquel Duarte e Óscar Felgueiras sobre regras a aplicar no futuro para conter a covid-19.

Com as suas declarações, Marcelo lançou, como já havia feito antes, os indicadores que devem ser tidos em conta para tomar uma decisão, preparando os portugueses para o caminho que deverá ser seguido pelo Governo: não basta olhar para a transmissibilidade e para a incidência; é preciso criar uma nova grelha de avaliação (que pondere taxa de vacinação, internamentos e mortes); e não há razões para avançar com um novo estado de emergência.

“O que se deve pesar é o que está em causa no sacrifício da vida, quantos mortos há e a previsão de mortos, e o stress sobre o Serviço Nacional de Saúde: quantos cuidados intensivos e quantos internados. Porque temos hoje um dado diferente do que o que se passava há um ano: há um ano, não havia vacina nem vacinação”, disse na terça-feira o chefe de Estado, lembrando que há já “cinco milhões de tomas de vacina”.

Também no início de Fevereiro, Marcelo fez questão de deixar os critérios para o desconfinamento. “Temos, até à Páscoa, de descer os infectados para menos de dois mil, para que os internamentos e os cuidados intensivos desçam dos mais de cinco mil e mais de 800 agora para perto de um quarto desses valores e descer também a propagação do vírus para números europeus”, disse, em declarações ao país, indicando ainda que o estado de emergência se manteria “Março fora”.

O Presidente da República tem deixado as decisões sempre nas mãos do Governo, mas não se inibe de dar orientações, normalmente antes de o executivo anunciar as suas próprias decisões – o que não significa que haja divergências. Foi, aliás, assim que tudo começou, em Março de 2020, quando Marcelo levou Costa a avançar para o primeiro estado de emergência, numa altura em que o primeiro-ministro achava que ainda não havia essa necessidade.

Também o fim das reuniões do Infarmed, em Julho, foi proposto e anunciado pelo Presidente, que em Dezembro deixou avisos no sentido de o país se “conter fortemente” nas celebrações de Ano Novo, como veio depois a acontecer (por oposição à abertura do Natal).

Outro caso em que Marcelo se antecipou a uma decisão do executivo foi em Janeiro, quando pressionou no sentido do encerramento das escolas. Fê-lo numa acção de campanha, ao afirmar que a decisão devia ser ponderada nas horas seguintes. E foi.

Desta vez, a novidade foi outra. Na terça-feira, Marcelo falou em directo ao mesmo tempo que António Lacerda Sales anunciava, nas televisões, medidas para conter a evolução da pandemia na região de Lisboa e Vale do Tejo (houve até alguns directos que foram desviados de um protagonista para o outro).

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