Fotografia
Perdidas para o Estado Islâmico. As mães não desistem de procurá-las e trazê-las para casa
"O mais importante é que regressem a casa." O fotógrafo russo Sergey Stroitelev retratou mães tchetchenas que "perderam" as filhas para o Estado Islâmico. Desaparecidas, encarceradas em estabelecimentos prisionais iraquianos ou sírios ou residentes forçadas em "casas de viúvas", estas mulheres desejam voltar a casa – e as suas mães são as suas maiores aliadas nessa missão.
Em meados de 2010, um ano apenas após o final do conflito que culminou na perda da independência da Tchetchénia para a Rússia, muitos jovens tchetchenos começaram a abandonar a região. Atraídos por promessas de riqueza de recrutadores online, rumaram até à Turquia, ao Iraque, à Síria, onde acabariam ao serviço do Estado Islâmico.
O fotógrafo russo Sergey Stroitelev não sabe nem pode afirmar se os jovens que migraram conheceriam claramente o seu destino. Sabe, porém, que, até aos dias de hoje, a esmagadora maioria não regressou à Tchetchénia. Os homens terão, entretanto, morrido em combate ou abandonado as suas famílias para salvaguarda da sua identidade; as suas esposas e os filhos – que não tiveram outra escolha que não acompanhá-los nessa aventura – ficaram presos nas teias da jihad ou dos sistemas penais sírios e iraquianos por “auxílio ao terrorismo”.
As mulheres muçulmanas, afirma o fotógrafo, são forçadas a acompanhar os maridos se esses decidirem emigrar. “Têm de obedecer-lhes, em qualquer caso. Mesmo que a família directa da mulher se oponha, é o marido quem tem a última palavra”, elucida, em entrevista ao P3, a partir de São Petersburgo. E este é um dado importante, já que muitas não terão viajado ou compactuado voluntariamente.
Dez anos depois, as famílias destas mulheres e crianças continuam à espera do seu regresso à Tchetchénia. “Existem vários grupos de mães, que comunicam através do WhatsApp, que mantêm a esperança de encontrar as filhas e os netos e que se esforçam, activamente, por localizá-los”, explica Sergey Stroitelev. Foi através desses grupos que chegou ao contacto directo com as mães que retratou para a série de fotografias que realizou para o jornal online Meduza – fundado, em 2014, por jornalistas russos na Letónia para evitar o controlo do regime de Putin sobre os media.
Rosa é mãe de Khadizhat. Birlant é mãe de Fatima. Maimulat é mãe de Iman. Larissa é mãe de Ava. Razet é mãe de Madina. Zara é sogra de Aishat. Mizan é mãe de Marek. Sobre cada mãe, o fotógrafo projectou a imagem da filha desaparecida. “Estas mães vivem, de certo modo, na companhia das filhas diariamente”, refere Sergey. “Pensam nelas constantemente de dia, sonham com elas de noite. Elas também são vítimas do conflito, como as filhas, mesmo a milhares de quilómetros de distância.”
A história de Mizan, mãe de Marek, é a mais emblemática para Sergey. “Reúne todos os desafios que uma mulher enfrenta na Tchetchénia”, justifica. Depois de dez anos de casamento falhado, celebrado aos 14 anos, a filha de Mizan, Marke, casou pela segunda vez. O novo marido decidiu mudar-se para a Turquia pouco tempo depois. Nem Marek nem a família estavam de acordo com a mudança, mas, para evitar novo divórcio, acabaram por aceder. O casal foi, na verdade, para o Iraque e todos os medos da família materializaram-se.
A primeira filha do casal, Sumaya, já nasceu lá. O marido morreu, pouco tempo depois da chegada, vítima de um míssil que atingiu o carro onde viajava com os amigos e Marek foi internada numa "casa de viúvas". Estes “são lugares onde as mulheres muçulmanas têm de permanecer, após a morte do marido”, explica. “E de onde apenas podem sair se outro homem muçulmano as quiser desposar.” No interior, as mulheres são encorajadas a cortar a comunicação com o exterior e são vigiadas durante os telefonemas de forma a não revelarem o seu paradeiro. O último contacto de Marek com a mãe data de 14 de Fevereiro de 2017.
Contra a vontade da família, Iman partiu de Grozny para a Turquia, na companhia do marido e de três filhos. Em 2015, o marido foi morto num ataque à bomba a uma mesquita, na Síria, e Iman foi colocada numa "casa de viúvas". A família manteve contacto com ela e os netos até 2017, mas sempre de forma controlada. Seguiram-se dois anos de silêncio. A família percebeu, entretanto, que a filha tinha sido detida em Damasco, sob acusação de auxílio ao terrorismo, e que os seus três filhos tinham sido colocados num orfanato. Os filhos foram devolvidos à família, na Tchetchénia, com a ajuda do Governo russo, em Agosto de 2020. “O rapaz, o mais velho, não quer estudar”, descreve o fotógrafo. De acordo com a avó, à chegada era uma criança muito agressiva, graças a tudo o que experienciou na Síria. Actualmente, à semelhança das irmãs, é acompanhado por um psicólogo. Iman está presa há quatro anos e a família faz pressão, junto do Governo russo para que seja extraditada.
Fatima abandonou a Tchetchénia em 2014. A sua mãe, Birlant, pediu-lhe que não viajasse, mas sem sucesso. No Iraque, o marido de Fatima desapareceu – ninguém pode afirmar se está vivo ou não – e ela e os três filhos foram colocados num campo da Cruz Vermelha. A filha foi, entretanto, presa por associação ao terrorismo e as crianças enviadas de volta para a família, na Tchetchénia.
“As crianças têm, por norma, mais sorte que as mães, no que toca o regresso à Tchetchénia”, afirma Sergey. O Governo russo já esteve mais empenhado no resgate das mulheres. “Menos, nos últimos anos”, refere. “A questão é complexa. As mães destas mulheres sofrem duplamente: pela ausência das filhas, e pela vergonha associada à acusação de terrorismo.” O fotógrafo de 35 anos encontra-se, presentemente, no Daguestão, onde dá seguimento ao projecto.