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O que representaria para muitas aldeias do Alentejo, ou de qualquer outro território do interior português, se quatro ou cinco famílias de imigrantes decidissem ficar a residir nesses locais? O que o nosso país poderia ganhar se tivesse a capacidade de fixar 20% ou 30% destas pessoas (e suas famílias) que, hoje, vivem e trabalham em condições precárias?

A pandemia evidenciou uma realidade conhecida: a presença de dezenas de milhares de imigrantes que asseguram a mão-de-obra necessária para o funcionamento de algumas das fileiras mais estruturantes da economia portuguesa, particularmente a agroalimentar.

Em todo o país, encontramos pessoas oriundas das mais diversas origens geográficas e culturais que encontram, no nosso território, uma oportunidade de trabalho. No entanto, associadas a essas oportunidades de trabalho, estas pessoas são confrontadas com condições de vida lamentáveis, ao nível da satisfação das suas necessidades mais básicas, em particular no que se refere às condições de salubridade das suas habitações, quantidade e qualidade da sua alimentação, acesso a serviços de saúde e de apoio social, entre outras dimensões básicas do exercício dos seus direitos e deveres de cidadania.

Todas as autoridades conheciam esta realidade, todos nós sabíamos o que se passava e, no entanto, tudo foi sendo ignorado, uma vez que todos beneficiávamos da presença e do trabalho destas pessoas, em particular os empresários para quem trabalham, os proprietários das habitações que os acolhem, os comerciantes que os servem e os intermediários que os contratam e subcontratam. Um somatório de pequenas realidades que originou uma grande, triste e inaceitável realidade que veio à superfície, quando as precárias condições de vida destas pessoas permitiram a propagação, rápida e incontrolada, de um vírus e, isso, provocou alterações nas rotinas de vida das comunidades em que estes trabalhadores vivem.

Aqui chegados, o que estamos a fazer? Andar para o passado, tentando parar os surtos epidémicos, controlando a progressão da epidemia e restaurando as condições de vida e de trabalho dos imigrantes e dos que os acolhem, nos territórios em que estes fenómenos ocorreram. Depois, de acordo com notícias que a comunicação social vai divulgando, vão-se implementando algumas medidas reparadoras da situação inicial: i) instalação de alguns trabalhadores em casas com melhores condições; ii) inspeção, mais frequente, das condições de trabalho destes trabalhadores, nas empresas que os contratam, por parte das autoridades oficiais; iii) recuperação da normalidade laboral e das rotinas da vida em cada comunidade. Tudo ficará, pois, na mesma…

Aqui chegados, o que poderíamos estar a fazer? Andar para o futuro, aproveitando este choque com a realidade para pensarmos ao contrário. Estes milhares de imigrantes, que se encontram no nosso país a trabalhar, podem ter interesse em, aqui, se fixarem, juntamente com as suas famílias, se Portugal lhes oferecer boas condições de vida: habitação, emprego, saúde, educação, apoio social, paz, segurança e inclusão. Tudo o que a maioria destas pessoas procura para si e para as suas famílias e que nós podemos oferecer, pois é essa a nossa tradição.

O que representaria para muitas aldeias do Alentejo, ou de qualquer outro território do interior português, se quatro ou cinco famílias de imigrantes decidissem ficar a residir nesses locais? O que o nosso país poderia ganhar se tivesse a capacidade de fixar 20% ou 30% destas pessoas (e suas famílias) que, hoje, vivem e trabalham em condições precárias?

O desafio que temos é que, em seguida a esta abordagem reparadora da situação epidemiológica e laboral, aproveitemos a oportunidade e o conhecimento que, entretanto, construímos acerca desta população migrante e mobilizemos os serviços do Estado central e das autarquias locais para um único propósito: identificar as condições necessárias para mobilizarmos estas pessoas a tomarem a decisão de se juntarem a nós, no nosso país, que poderá vir a ser, também, o seu.

Façamos este recenseamento das oportunidades; envolvamos e sensibilizemos as comunidades locais para uma estratégia de acolhimento e inclusão de novas famílias; articulemos, com as empresas empregadoras, a forma mais adequada para retirarmos os intermediários da equação e garantirmos empregos justos e legais; criemos as condições de acesso à saúde, educação e habitação adequadas para todos os membros dos agregados familiares a acolher; avaliemos o investimento necessário a fazer para acolhermos estas pessoas e tomemos a decisão fundamental: fazermos tudo o que nos for possível para que estas pessoas sintam que é aqui, neste país, que poderão ser mais felizes.

Ganhávamos todos!

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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