As mulheres são enormes, sobretudo as mães

Quando eu tinha a altura da mesa da sala de jantar, a minha mãe parecia realmente disforme. Um gigante a dar ordens, impiedoso. Nem mesmo quando eu ou algum dos meus irmãos chorávamos de medo ou de espanto perante algum acontecimento, nem mesmo nessa altura, a matriarca revelava qualquer compaixão pelas crias.

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Meiying Ng/Unsplash

Até aos 14, 15 anos, desconfiei da autenticidade da mulher que se dizia minha mãe. Não havia entre nós nenhuma semelhança nem nada que nos ligasse. Era uma mulher emproada, apesar de ser do campo, e impunha respeito a toda a gente. Como enviuvou logo após o nascimento do meu irmão mais novo, cedo teve de ser ela a pôr ordem em casa. Até ao final dos seus dias, culpou-nos a mim e aos meus irmãos pela morte do nosso pai. Segundo ela, morreu de exaustão por ter de alimentar tantos bandidos. Ele deixou-nos quando eu era muito novo, tinha apenas oito anos. Não me lembro de quase nada, excepto de sentir o mau cheiro da sua boca quando falava próximo da minha cara. Cheirava a podre. Tinha alguns dentes estragados na bancada da frente e eu tinha vergonha quando ele se ria, o que era raro, felizmente. Do pouco que me lembro, essa aproximação ao meu rosto era uma coisa invulgar, pois tratava-se de um homem frio e distante. Também me lembro que era solitário, apesar de fazer parte da nossa “grande família de bandidos”, como dizia a minha mãe. Não tinha amigos e pouco ou nada socializava connosco. Depois de terem dado com o corpo dele num acidente de viação, bem longe da terra, foi autopsiado num hospital e depois trazido para o velório na capela da aldeia. A causa de morte: embolia cerebral. Lá em casa nunca se falou deste assunto.

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