PRR: Fundos “next generation

O aproveitamento da oportunidade ínsita no carácter extraordinário dos fundos a aplicar ao abrigo do PRR impõe a efetividade de um robusto compromisso de planeamento, avaliação e execução dos projetos elegíveis orientado para a próxima geração.

1. O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem por referência fundos estruturais extraordinários e não fundos estruturais ordinários. Estes vão encontrar-se no que pode vir a ser designado de “Portugal 2030” e encontram-se no “Portugal 2020”.

O carácter extraordinário é justificado pela necessidade de recuperação (é essencial apoiar o investimento nesta situação específica, a fim de acelerar a recuperação e reforçar o potencial de crescimento a longo prazo) e de reforçar a resiliência (entendida como a capacidade de fazer face, de forma justa, sustentável e inclusiva, a choques económicos, sociais e ambientais, ou a mudanças estruturais persistentes) da União e dos seus Estados-membros, em particular, face aos efeitos nefastos ao nível social e económico provocados pela pandemia resultante da covid-19.

O referido carácter extraordinário deve ser considerado para efeitos de investimentos e reformas que permitam aproveitar, desde logo, a oportunidade para investimentos que não encontra cobertura no “Portugal 2020” e que não irá encontrar cobertura no “Portugal 2030”. É, portanto, uma oportunidade, e que, também por isso, conta com um prazo de execução mais curto do que o previsto para os fundos estruturais ordinários.

2. Pela referida razão, alguns países defendem que estes fundos devem servir para “fazer mais país” e ajudar na construção do futuro e a pensar no futuro, devendo ser entendidos como fundos “next generation”: com uma linha de orientação pensada para o futuro, procurando um afastamento de velhos hábitos na sua definição e aplicação e de centramento numa política das ideias (também para a próxima geração) e não de ideologias (e dependências associadas).

É também esta a linha de orientação dos normativos europeus, ao exigirem que projetos devam estar alinhados com os seguintes pilares: i) transição ecológica; ii) transformação digital; iii) crescimento inteligente, sustentável e inclusivo, incluindo coesão económica, emprego, produtividade, competitividade, investigação, desenvolvimento e inovação, e um mercado único a funcionar bem com PME fortes; iv) coesão social e territorial; v) saúde e resiliência económica, social e institucional, inclusive com vista a reforçar a resiliência e a preparação para as crises; e vi) políticas para a próxima geração, crianças e jovens, incluindo educação e competências.

Em síntese, em linha com as políticas europeias, os projetos a aprovar no âmbito do PRR devem reforçar a competitividade, o potencial de crescimento e finanças públicas sustentáveis, sendo também necessário introduzir reformas baseadas na solidariedade, integração, justiça social e repartição equitativa da riqueza, com o objetivo de criar emprego de qualidade e crescimento sustentável, de garantir a igualdade de oportunidades e na proteção social e acesso a ambas, de proteger os grupos vulneráveis e de melhorar o nível de vida de todos os cidadãos da União.

3. Aqui chegados, é necessário levar a sério que os fundos europeus a disponibilizar no âmbito do previsto no PRR devam – dada a sua finalidade distinta dos apoios que resultam do “Portugal 2020” e do “Portugal 2030” – ser orientados a pensar na próxima geração, aproveitando-se a oportunidade oferecida para obter a maior rentabilidade destes fundos com investimento para transformar o modelo económico e social, tendo em conta os objetivos da inovação; sustentabilidade e respeito pelo ambiente; digitalização; economia circular; inteligência artificial, saúde, entre outros.

Deve, portanto, evitar-se a mera atualização de projetos existentes, de onde não resulte um valor claro. Os projetos devem caracterizar-se por um claro interesse coletivo, pela sua viabilidade, pela promoção da qualidade do ambiente e do emprego a longo prazo e por critérios de eficácia e transparência. A sua seleção deve ser claramente alinhada com a ideia de valor sobre o preço, abandonando-se, sempre que possível, modelos economicistas baseados principalmente no preço, a fim de analisar as vantagens em termos de valor.

4. O planeamento (opção), a avaliação e a execução dos projetos elegíveis no âmbito do PPR devem ter em conta os seguintes critérios: i) ambiental, ii) social, iii) de prevenção de conflitos de interesses e de combate à corrupção e iv) de digitalização. Dito de outro modo, o valor dos projetos deve ser entendido não apenas em termos económicos em sentido estrito, mas ser entendido num sentido mais amplo, que permita considerar as referidas categorias valorativas.

 Trata-se de categorias/elementos essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade e economia que se pretenda mais avançada face às necessidades nacionais, europeias e mundiais atuais e num futuro imediato.

Concretizando, a reforma das instituições públicas deve necessariamente implicar uma análise de risco em matéria de conflito de interesses e de combate à corrupção. A digitalização da economia, dos entes e serviços públicos deve evitar que se repliquem modelos que já deram provas de ser desnecessários ou que não passam o teste de uma análise de custo/benefício, evitando os socialmente designados “elefantes brancos” – agora no mundo digital.

O envolvimento dos entes públicos e privados na execução dos projetos elegíveis deve ter em conta – para além dos dois elementos referidos – os impactos positivos ao nível do ambiente e ao nível social, seja no contexto do projeto em si, seja num contexto integrado de desenvolvimento de políticas públicas ambientais e sociais (e das externalidades positivas sobre a comunidade em geral); aliás, alguns dos bens, serviços e obras públicas serão, porventura, objeto de contratos públicos, devendo, nestas hipóteses, o critério de adjudicação valorizar os subcritérios sociais e ambientais, optando claramente por uma contratação pública sustentável.

O aproveitamento da oportunidade ínsita no carácter extraordinário dos fundos a aplicar ao abrigo do PRR – revistos nas finalidades da promoção ambiental, social, de prevenção de conflitos de interesses e de combate à corrupção e de digitalização – impõe a efetividade de um robusto compromisso de planeamento, avaliação e execução dos projetos elegíveis orientado para a próxima geração.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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