Christine Ott e Time To Die: “Escrevi este álbum como uma viagem”

Revelado com um só tema no Dia Mundial do Piano, é hoje lançado Time To Die, o novo álbum da compositora e multi-instrumentista francesa Cristine Ott. Que o explica aqui, em exclusivo.

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Cristine Ott Jean-Pierre Rosenkranz

No Dia Mundial do Piano, celebrado este ano em 29 de Março, entre os muitos pianistas que interpretaram novas peças ou recriações para assinalar a data, encontrava-se Cristine Ott. Sem qualquer vídeo, apenas com a imagem fixa de uma capa de disco em tonalidades de azul com um vinil também azul parcialmente descoberto. O tema era Pluie, segundo single (o primeiro foi Landscape) de Time To Die, que esta sexta-feira chega às plataformas digitais e às lojas, em LP.

Pianista, compositora e multi-instrumentista, Cristine Ott nasceu em Estrasburgo, França, em 10 de Agosto de 1963. Durante oito anos fez parte da banda de Yann Tiersen e tocou em orquestras clássicas durante dez anos, colaborando ao longo da sua carreira com bandas como Syd Matters e os Tindersticks ou com músicos como o compositor e teclista parisiense Jean-Philippe Goude. Time To Die, que agora é lançado, é o seu quarto álbum a solo, depois de Solitude Nomade (2009), Only Silence Remains (2016) e Chimères (2020), este composto para Ondas Martenot, instrumento electrónico criado em 1928 e de funcionamento semelhante ao do theremin russo.

“Mais do que uma evocação da morte como poderíamos imaginá-la, o álbum Time To Die é para mim mais uma reflexão e um questionamento sobre a humanidade, e uma história de humildade diante dos mistérios da morte e as suas mil facetas”, assim descreve Cristine Ott o seu novo álbum, em exclusivo para o PÚBLICO. “Time To Die está intimamente ligado ao álbum Only Silence Remains, também lançado pela Gizeh Records em 2016, que terminava com a faixa Disaster acompanhada por um texto poético que escrevi, interpretado pelo meu amigo Casey Brown. A ideia essencial era compartilhar a consciência de um universo, o nosso, entregue à crueldade, violência e irresponsabilidade do homem face à natureza, e um convite a permanecer desperto e vigilante face ao mundo exterior. A nota final era uma nota de amor e esperança...”

Viver e morrer em Blade Runner

Na altura de compor ambos álbuns, Cristine diz que tinha em mente vários filmes de ficção científica. “Imagens muito fortes, que muito me tocaram, sugerindo-me várias reflexões. São filmes sempre me acompanharam, adaptações de romances intimamente ligados e movidos por histórias literárias inventivas que nos revelam mundos paralelos ao nosso, sempre com uma personagem que assume o papel de ‘mediador’. É claro que penso em Blade Runner, mas também no Metropolis de Fritz Lang que influenciou Ridley Scott com as suas estruturas urbanas, as suas torres enormes e a luta de classes nessa megalópole distópica! Mas também penso em Soylent Green [À beira do Fim], de Richard Fleisher... Ou, de um modo diferente, na trilogia O Senhor dos Anéis, de Tolkien...” Mas foi do filme de Ridley Scott que veio, outra vez, o começo:

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Jean-Pierre Rosenkranz

“Pareceu-me óbvio começar de novo a partir do monólogo de Rutger Hauer Tears in Rain [no filme Blade Runner], cujo final é improvisado pelo próprio actor, um final poderoso e comovente! Com as últimas palavras de Rutger Hauer, o importante é perceber que não se trata apenas de morrer, mas de perder o acesso à Imortalidade que lhe tinha sido prometida pelo seu ‘criador’. Roy entende tudo isso e é uma libertação para ele. Como qualquer ser humano, ele entende que aprender a viver é também aprender a morrer. A vida é uma só e temos de vivê-la plenamente, porque somos apenas pássaros de passagem... E evoca aqueles momentos de efémera beleza...”

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A voz de Casey Brown, diz Cristine Ott, surge no monólogo envolvida por um turbilhão de sintetizadores, Júpiter 8 e várias faixas de Ondas Martenot à mistura com chuva e trovoada... “Tudo isso é muito cinematográfico, e há nesses dois álbuns (parte de um futuro tríptico) múltiplas homenagens a esses filmes essenciais, mas também a esse actor incrível e homem muito envolvido em causas, Rutger Hauer [1944-2019], que nos deixou quando eu trabalhava no álbum.”

Caleidoscópio de sensações e cores

O novo disco, Time To Die, revela “um caleidoscópio de sensações e cores”, segundo a sua autora: “Um caminho repleto de reflexos duplos, o reflexo de nós próprios, por vezes imbuído de simbolismo, como a chuva, pode ser a evocação do dilúvio ou simples degradação do a Terra pelos humanos? Em Time to Die, quis expressar a iminência da morte, revelada pelo motivo inevitável dos tímpanos. E avança para a melancolia e a solidão de Brumes, a claridade de Miroirs, o apaziguamento e a calma de Landscape… Escrevi este álbum como uma viagem; somos levados pelas ondas de um oceano de sentimentos, imersos em pesadas e opressivas atmosferas, ressurgimentos de belos momentos de vida, e também em uma atmosfera de luz e de libertação!”

O álbum abre com Time to die e fecha com Pluie: “Duas faixas muito orquestradas, que rodeiam peças musicais mais minimalistas e refinadas como Miroirs, totalmente improvisadas como Chasing harp ou muito elaboradas como Comma opening.” Sobre as paisagens sonoras, preferiu deixar as emoções livres e apelar ao senso individual: “Talvez cada peça, cada emoção do disco possa referir-se a uma cor – será talvez uma ligação secreta que tenho com o mundo das cores musicais de Ginette e Maurice Martenot. Em crianças, gostavam de associar cada nota a uma cor. Talvez haja também uma ligação inconsciente com o universo de Olivier Messiaen onde os tons estão associados a um mundo de cores... Miroirs brilha com rajadas de luz e mergulha-nos num halo amarelo, Time to die revela poderosas linhas negras num azul translúcido... E vim a encontrar essas cores e essa transparência na gravura de Renaud Allirand que ilustra o disco.”

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