Darfur: ressurgimento de conflito tribal já fez mais de 200 mortos desde Janeiro

Desde a retirada da missão da ONU e da União Africana, o conflito entre as tribos nómadas de língua árabe e os masalit reacendeu-se. O último confronto resultou em 56 mortos e 130 feridos em Genaina.

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A população sente-se desprotegida pelos militares MARWAN ALI/EPA

Nos últimos dias, a violência tribal acentuou-se na região de Darfur, no Oeste do Sudão, e pelo menos 56 pessoas morreram e mais de 130 ficaram feridas na cidade de Geneina, segundo a ONU. Há relatos de artilharia pesada, incluindo granadas, e imagens de residentes mostram grandes nuvens de fumo pela cidade.

“Milhares de pessoas estão a fugir para o vizinho Chade”, avançou o gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), na sequência do ressurgimento da violência entre as tribos nómadas de língua árabes e os masalit, depois de, no sábado, “homens desconhecidos” terem disparado contra membros da tribo Masalit e matado duas pessoas na capital do estado do Darfur Ocidental.

Desde então a violência intensificou-se. Uma central eléctrica foi destruída, um hospital e umas instalações da ONU foram atingidos. O El País fala na presença de milícias armadas pelos bairros da cidade e pelos campos de deslocados internos – o de Abu Zar foi queimado. O OCHA foi obrigado a cancelar as missões na cidade, decisão que pode afectar mais de 700 mil pessoas.

Em resposta à violência, na segunda-feira o Governo decretou o Estado de Emergência e enviou tropas para a região de Darfur para tomarem “todas as medidas necessárias” para resolver o conflito, de acordo com um comunicado citado pelo jornal espanhol.

Mas o Governo parece não estar a conseguir normalizar a situação, nem garantir a segurança da população, disse ao diário Adam Rojal, porta-voz dos deslocados internos em Darfur, podendo deixar a descoberto as fragilidades do Governo transitório sudanês que prometeu paz e protecção aos habitantes de Darfur.

Um residente citado pela Reuters confirmou a falta de protecção sentida, explicando que “os grupos armados estão por toda a cidade” e que não há “nenhuma presença militar que possa proteger os civis”. Ainda ontem, “os tiroteios continuavam a ser ouvidos pela cidade”, afirmou a ONU.

Uma região devastada pela violência

A violência dos últimos dias é o mais recente ressurgimento do conflito desde o acordo de paz assinado com alguns grupos rebeldes que lutavam contra o então Presidente Omar al-Bashir e o Governo de transição que assumiu o poder em 2019.

No final do ano passado, as equipas da manutenção da paz da ONU e da União Africana iniciaram a sua retirada da região após 13 anos, apesar da preocupação em torno da instabilidade do território e da falta de forças militares para proteger os civis.

Duas semanas depois da retirada da missão, em Janeiro, a luta armada entre as tribos de língua árabe e os masalit provocou a morte de mais de 160 pessoas, feriu 200 e 108 mil deslocados, o maior número de deslocados no Sudão nos últimos seis anos, de acordo com o Centro de Monitoramento do Deslocamento Interno: só nesses três dias mais pessoas fugiram do que durante o ano de 2020.

Têm surgido vários focos do conflito desde 2003, ano em que grupos rebeldes se insurgiram contra a marginalização política e económica das comunidades étnicas de origem africana e foram esmagados por milícias de tribos de origem árabe apoiadas pelo Governo de Al-Bashir. O antigo chefe de Estado foi acusado pelo Tribunal Penal Internacional de crimes de guerra e de uma limpeza étnica: calcula-se que mais de 300 mil pessoas morreram e quase três milhões tiveram de fugir, de acordo com a ONU.

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