A importância das investigações internas – a propósito do relatório sobre os abusos na diocese de Colónia

Em Portugal ainda há pouca tradição nesta matéria, mas a verdade é que, quando as instituições pedem uma investigação independente, os resultados são quase sempre muito robustos, relevantes para a boa governação interna, responsabilizantes e um forte contributo para o respeito pela lei e implementação de boas práticas.

Um advogado especialmente dedicado ao direito penal apresentou recentemente um extenso relatório independente onde refere que mais de 300 menores terão sofrido algum tipo de abuso na diocese alemã de Colónia. O trabalho ter-se-á centrado na forma como a Igreja Católica reagiu às acusações de abuso, tendo assinalado que, em 75 casos, membros relevantes da hierarquia não terão dado adequado seguimento às denúncias nem acompanhado devidamente as vítimas. Não li o relatório e reporto-me apenas ao que a imprensa noticiou sobre o assunto. Mas assinalo que o mesmo terá sido pedido pela própria diocese alemã, o que desencadeou uma investigação interna conduzida por uma equipa de advogados.

As investigações internas são bem conhecidas na tradição anglo-saxónica. É frequente as empresas (e outras instituições) pedirem a equipas de causídicos que, perante uma suspeita, investiguem e apresentem um relatório com o apuramento dos factos e uma proposta de atuação. Tais investigações permitem identificar agentes que escapam às regras internas da própria instituição, violando leis nos mais diversos setores, atuar contra eles disciplinarmente, participar dos mesmos junto das entidades competentes para conduzir a investigação pública penal (em Portugal, o Ministério Público) ou junto de outras entidades com poderes sancionatórios (a Autoridade da Concorrência, por exemplo). Mas, sobretudo, permitem corrigir os sistemas de controlo interno, designadamente de cumprimento da lei, afinando (ou criando) as suas políticas de compliance.

Em Portugal, ainda há pouca tradição nesta matéria, mas a verdade é que, quando as instituições pedem uma investigação independente, os resultados são quase sempre muito robustos, relevantes para a boa governação interna, responsabilizantes e um forte contributo para o respeito pela lei e implementação de boas práticas.

Há uma razão para militares conduzirem (cá como noutros países) uma operação de vacinação em massa, ainda que não sejam necessariamente profissionais de saúde: percebem de logística. Também há uma razão para as equipas de penalistas entrarem nas instituições: o seu dia a dia é a indiciação e a prova sobre diferentes assuntos, desde a corrupção ao branqueamento de capitais, à fraude fiscal, aos abusos sexuais, ao insider trading, à manipulação de mercado, ou à violação de regras de ordenação social de especial gravidade, incluindo as relativas ao ambiente, ao direito da concorrência ou aos mercados financeiros – para só citar alguns exemplos.

A condução de investigações internas segue um plano muito rigoroso, de acordo com o universo de pessoas a investigar, a matéria em causa (por vezes, muito técnica), o impacto nas estruturas internas e na motivação dos trabalhadores – em regra, maioritariamente inocentes e cooperantes e que devem continuar a trabalhar sem sentir o peso da suspeição. E exigem membros experientes na barra criminal, já que não se pode ignorar que o resultado da investigação poderá ter como consequência a notícia de um ou mais crimes (ou contraordenações) junto das entidades competentes.

As investigações internas constituem, finalmente, um meio de atenuação da responsabilidade das instituições que solicitam esse diagnóstico, uma vez que podem ser valoradas positivamente. Pense-se nos programas de clemência da Autoridade da Concorrência – a denúncia da participação num cartel, montado muitas vezes à revelia da administração ou dos acionistas, traz claros benefícios à empresa denunciante. Pense-se, ainda, no combate à corrupção, que cabe também ao setor privado, tendo em conta as inevitáveis perdas provocadas por funcionários conluiados com fornecedores. Ou tendo em conta ainda as tentações de alguns quadros das empresas privadas aliciarem membros da administração pública para obterem ilicitamente resultados favoráveis à entidade patronal, que esta não pediu e que acabará erradamente por reconhecer em prémios no final do ano.

O impacto financeiro, reputacional, organizacional e até de alguma mitigação das responsabilidades das organizações é evidente há muito tempo em vários países e em todos os setores. Em Portugal, o caminho ainda é lento, mas já são cada vez mais as instituições que percebem a enorme relevância para si e para a sociedade em que se inserem.

E, no caso de Colónia, o significado humano (no reconhecimento das vítimas, na atenuação duma dor certamente perene), mas, também, a contrição renovadora daquele núcleo institucional (a diocese) são sinal seguro de quão importante pode ser uma investigação interna.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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