Será mesmo necessária outra ponte na Arrábida?

Não se trata de pôr em causa a necessidade de o metro atravessar o Douro nesta zona. No entanto, a proposta de canal que agora se apresenta pressupõe um custo de intervenção excessivamente elevado para assumir, simultaneamente, a perda de uma oportunidade para qualificar realmente ambas as cidades.

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fernando veludo /nfactos

No passado dia 16 de Março foi lançado o concurso público para a concepção de uma nova travessia de metro na Arrábida. O que seria se os 50 milhões de euros previstos para esta obra encontrassem como destino a qualificação de um território urbano mais extenso, sem inviabilizar a nova ligação de metro que subentende?

Não se trata de pôr em causa a necessidade de o metro atravessar o Douro nesta zona, já que a ligação entre o Porto e a parte ocidental de Vila Nova de Gaia se reconhece como fundamental. No entanto, a proposta de canal que agora se apresenta pressupõe um custo de intervenção excessivamente elevado para assumir, simultaneamente, a perda de uma oportunidade para qualificar realmente ambas as cidades.

Quando em 1995 se inaugura a Ponte do Freixo, um dos seus grandes objectivos seria reduzir o caudal de tráfego rodoviário que congestionava a Ponte Luís I e a Ponte da Arrábida, sobretudo o pesado, de e para as plataformas logísticas do Aeroporto e do Porto de Leixões. Seria, então, uma forma de aliviar a A1 no seu troço mais urbano que cruza os territórios ocidentais do Porto e de Gaia, garantindo que a nova A20 cumpriria parte dessas funções. Mais tarde, a A41 (a Circular Regional Exterior do Porto que liga Espinho a Matosinhos) apresentar-se-ia, oficialmente, como outra alternativa – uma circular externa ao núcleo mais denso constituído pelo concelho do Porto e pelos concelhos limítrofes, que atravessa o Douro em Gondomar a montante da barragem de Crestuma-Lever – ainda que nunca tenha cumprido esse papel dado o acréscimo significativo de quilómetros.

Há vários anos que a integração da Ponte da Arrábida, assim como das suas ligações a Norte e a Sul, no sistema auto-estrada tem vindo a ser discutido. Parece evidente que, atendendo às características do território que atravessa, este canal deveria ser repensado de modo a estabelecer um contacto mais directo com o território envolvente, assumindo um desempenho mais urbano, mais articulado com as suas margens e, por isso, menos logístico. Nesse cenário, que defendemos, a Ponte da Arrábida, não só poderia integrar a ligação do metro agora proposta como também circuitos cicláveis e pedonais que ligassem as duas margens do rio Douro, sem perder as suas funções rodoviárias, ainda que ajustadas em conformidade com a necessária redução de tráfego automóvel. Esta hipótese, não sendo nova, seria exemplar também no que se refere às medidas que se inscrevem nos roteiros para a transição climática, do Plano de Recuperação e Resiliência, constituindo assim uma oportunidade de requalificação associada à mobilidade sustentável e à descarbonização dos modos de transporte, promovendo a transição modal do transporte individual para o colectivo, por redução do espaço do primeiro em favor do segundo.

Face ao exposto, parece-nos que a reflexão a fazer seria, então, em torno da refuncionalização da Ponte da Arrábida, de modo a garantir a articulação entre os centros da Boavista e das Devesas atribuindo sentido, também, à grande proposta por cumprir, quer do centro terciário do Porto, quer da sua potencial extensão em Gaia, ao longo da Via Eng. Edgar Cardoso até às Devesas.

No ano lectivo de 2014/2015 os alunos de Projeto 5 do Mestrado Integrado em Arquitectura da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto trabalharam em torno dessa possibilidade, a partir do desafio que lhes foi colocado para requalificação de um sector urbano em Lordelo do Ouro e Massarelos, que integra o Pólo Universitário do Campo Alegre, talvez o único conjunto edificado do ensino superior no mundo encaixado entre os ramais de acesso de uma auto-estrada e que agora se vê ameaçado pela incisão, algo forçada, da nova ponte, sem atender às características topográficas e às condições existentes. O metro na Ponte da Arrábida não era o desafio do exercício, no entanto, a realidade do território existente determinou a sua pertinência em detrimento da já apontada travessia no Plano Director Municipal do Porto de 2006, que se pretende retomar sem que haja uma real necessidade, com a agravante de se associar a uma opção de traçado mais lesiva para a paisagem e malha urbana, particularmente do lado do Porto.

O enquadramento académico é naturalmente mais livre de constrangimentos mas a questão que os estudantes colocaram na altura era a mesma que colocamos agora: porque não investir os milhões que a nova ponte exige, a qualificar, nas duas margens do Douro, dois sectores urbanos fundamentais, cumprindo, não só o desígnio da mobilidade mas também o progresso económico, sem descurar o incremento da qualidade de vida dos cidadãos, à luz da efectiva transição para modos de transporte mais ecológicos?

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