Árvores: produtoras e purificadoras. Nós: consumidores e poluidores

Iniciamos este domingo, no Dia Internacional das Florestas, uma série de quatro artigos a publicar ao fim-de-semana sobre as árvores e nós. Neste mostra-se como as árvores, muito semelhantes e ao mesmo tempo muito diferentes dos seres humanos, produzem alimentos, purificam o ar e são fábricas de oxigénio.

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Jardins do Palácio de Cristal, no Porto Nelson Garrido

Uma árvore, como é um ser vivo, precisa de se alimentar. Por não ter boca, nem ser parasita, produz os nutrientes de que necessita e obtém outros do solo ou por simbiose (associação de interesse mútuo) com outros seres vivos (fungos e bactérias).

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Uma árvore, como é um ser vivo, precisa de se alimentar. Por não ter boca, nem ser parasita, produz os nutrientes de que necessita e obtém outros do solo ou por simbiose (associação de interesse mútuo) com outros seres vivos (fungos e bactérias).

As árvores produzem nutrientes – hidratos de carbono, compostos com carbono (C), hidrogénio (H) e oxigénio (O) – por fotossíntese, com o auxílio da energia solar (as plantas morrem à sombra), indo buscar o carbono (C) ao dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, utilizando também água (H2O). A fotossíntese consiste na conversão da energia solar em energia química através de uma cadeia de reacções de que resultam os referidos hidratos de carbono (C, H, O) e oxigénio (O2). Portanto, uma árvore é produtora de nutrientes, uma fábrica de oxigénio (O2) e sequestradora de carbono (C). Como os animais não conseguem produzir nutrientes, têm de comer plantas (herbívoros), ou comerem animais que comeram plantas (carnívoros), ou alimentarem-se de plantas e animais (omnívoros), como nós fazemos. Assim, uma árvore purifica o ar (despolui, por diminuir o CO2 atmosférico), produz alimentos e é uma fábrica de oxigénio (O2).

As árvores são plantas vasculares, tal como os humanos são animais vasculares. Os seres vasculares precisam dos vasos, que não são mais do que canos biológicos (floema e xilema, nas plantas; artérias e veias, nos animais), por onde circula água e um líquido (seiva nas plantas, e sangue nos animais), que transporta os nutrientes para todo o corpo do ser vivo.

Tal como acontece com qualquer cano, na parede interna vão-se acumulando substâncias (por exemplo, calcário nos canos das casas e colesterol nos vasos humanos) que os podem entupir ou romper (acidente vascular, nos humanos). Ao mesmo tempo, as paredes dos vasos biológicos, com a idade, vão perdendo elasticidade, tornando-se mais duras. Acontece que, enquanto nós temos, praticamente, sempre os mesmos vasos, que se vão alongando até sermos adultos; nas árvores não é assim, pois elas vão produzindo vasos novos, que substituem os que deixam de ser funcionais. Nos climas como o nosso, produzem-nos duas vezes por ano: uma na Primavera e outra vez no Outono. É por isso que, quando se corta uma árvore, se consegue saber a idade, contando os anéis de vasos (cada par de anéis corresponde a um ano). Actualmente, consegue-se contar os anéis e calcular a idade, sem cortar as árvores nem as molestar (dendrocronologia).

Os exemplares mais antigos

Portanto, as árvores não morrem por acidentes vasculares naturais (entupimento) nem por endurecimento da parede dos vasos, o que implicaria falta de flexibilidade para o transporte da água e seiva. É por isso que as árvores duram mais do que os animais vasculares. As mais antigas árvores que se conhecem são alguns exemplares do pinheiro-da-califórnia (Pinus longaeva) com cerca de 5000 anos, embora os suecos tenham, nas montanhas da província de Dalama, clones de espruce-europeu (Picea abies) com cerca de 9550 anos. Estes clones não são, pois, uma árvore, mas pequenas árvores resultantes de germinação de uma toiça com cerca da referida idade. Não há nenhum animal vascular que chegue sequer a 300 anos de idade.

Estas árvores mais idosas são resinosas e gimnospérmicas (plantas vasculares que não dão flor nem fruto; um pinhão é uma semente). As árvores que dão flores e frutos são angiospérmicas e, em vez de resinas, elaboram taninos. Acontece que as resinas são anti-sépticos mais eficazes do que os taninos.

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Ramo com epífitas (plantas que vivem sobre outras plantas) em Monteverde, Peru Jorge paiva

Por isso, as plantas mais idosas que se conhecem são gimnospérmicas (pinheiro-da-califórnia e espruce-europeu). Se não tivéssemos derrubado os maiores pinheiros-mansos (Pinus pinea) que tínhamos, para mastros das naus (Bartolomeu Dias andou pelo país a escolher os mais altos), hoje alguns deles seriam as árvores mais velhas de Portugal. As árvores mais idosas que temos são oliveiras (Olea europaea), que, por serem angiospérmicas, estão ocas, pois se fossem pinheiros-mansos (gimnospérmicas) com essas idades talvez não tivessem os troncos ocos. A Oliveira do Mouchão (Cascalhos, freguesia de Mouriscas, concelho de Abrantes) é considerada a árvore mais idosa de Portugal (cerca de 3350 anos), estando classificada como Árvore de Interesse Público (processo KNJ1/478). Como não poderia deixar de ser, tem o tronco oco. As oliveiras são as árvores mais antigas que temos, sendo consideradas bíblicas. A oliveira aparece referida na Bíblia cerca de meia centena de vezes, tal como os ramos (Epístola aos Romanos 11,18) e uma folha verde no bico de uma pomba (Génesis 8,11) assim como o azeite (Deuteronómio 8,8).

Além disso, era e é extremamente útil não só na alimentação (azeitona e azeite), como também na iluminação (lamparinas de azeite) e no aquecimento (aguenta podas drásticas, dando lenha para a lareira e cozinha). Por isso, ninguém derrubava uma oliveira.

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Árvore com epífitas nas margens Lago Arenal, Peru Jorge Paiva

Muito mais do que um indivíduo

Por outro lado, uma árvore não é apenas um indivíduo, pois vivem sobre ela muitos seres vivos, como outras plantas (epífitas), animais, líquenes, fungos e bactérias, entre outros; assim como no interior do seu corpo. As árvores das florestas tropicais de chuva (pluvissilva), como, por exemplo, a da Amazónia, chegam a atingir cerca de 80 metros de altura (não podem ser mais altas, senão a água e os nutrientes não chegavam às folhas da copa) e algumas toneladas de biomassa. Sobre estas enormes árvores, além dos seres vivos já referidos, vegetam outras árvores (epífitas) de menor porte. Quando se derruba uma árvore destas, estamos a matar não apenas um ser vivo, mas milhares de seres vivos que viviam, em equilíbrio, naquele ecossistema (a árvore).

Uma árvore isolada é um ecossistema de menor biodiversidade do que integrada na respectiva floresta. É por isso que as árvores das artérias urbanas têm menos seres epífitos. Por exemplo, em Lisboa, as cascas das árvores que estão nas artérias cerca do aeroporto não têm nada de verde, devido à poluição. Mas na área do Parque das Nações apresentam epífitas. Outro exemplo elucidativo é observável em Almada, comparando as árvores das artérias e as que se encontram no Parque da Paz (o melhor parque urbano do país), onde não há nenhum edifício (apenas sanitários) e não é permitida a circulação de veículos automóveis (os utilizados pelos vigilantes e jardineiros são eléctricos). Neste parque, particularmente os troncos dos sobreiros (não lhes retiram cortiça) estão repletos de epífitas. É, provavelmente, o parque urbano do país de biodiversidade mais elevada, talvez superior à da Mata do Choupal, em Coimbra.

As florestas são, pois, ecossistemas com imensas árvores e, portanto, de elevadíssima biodiversidade, de enorme potencial sequestrador de carbono, contribuindo para o equilíbrio do volume atmosférico de CO2, O2 e H2O e, consequentemente, das condições climáticas do globo terrestre.

Infelizmente, a espécie humana tem vindo a derrubar e incendiar as florestas de tal maneira que, nesta altura, existem apenas 20% das florestas que existiam quando a espécie humana surgiu no globo terrestre.

Uma árvore, além de um ser vivo, é um ecossistema, uma fábrica e uma sequestradora de carbono.

Biólogo