Árvore a árvore, o renascer de uma floresta nativa

O projecto Futuro nasceu com um propósito bem definido: a plantação de 100 mil árvores nos 17 concelhos da Área Metropolitana do Porto no espaço de cinco anos. Ultrapassada essa barreira, prosseguem as acções de monitorização das áreas plantadas e de controlo de espécies invasoras, sempre com a participação activa dos cidadãos.

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A chuva que caiu ao longo da noite anterior deixou os terrenos escorregadios e o coberto vegetal húmido. Uma dificuldade inesperada e acrescida para o grupo de voluntários que, na manhã do primeiro sábado de Outubro, se juntou na outrora abandonada Mata da Quinta do Castelo, em Santa Maria da Feira, para uma acção do Futuro: O Projecto das 100 Mil Árvores. A ordem de trabalhos para o dia ditou que os esforços fossem orientados para o controlo de acácias, com recurso ao método de descasque, de forma a preparar a última área dos seis hectares que estão a ser reconvertidos em floresta autóctone.

Depois de anos votado ao abandono, o que propiciou a propagação das espécies invasoras, o bosque entrou, em 2013, numa nova fase da sua existência, com a sua gestão a ser transferida para domínio público. Foi neste contexto que, em 2016, se iniciaram as intervenções do projecto Futuro, “essencialmente de limpeza e retirada de eucaliptos”. “Deixámos os indivíduos maiores, para que a área não ficasse sem sombra”, relembra Conceição Almeida, coordenadora técnica do Futuro. Seguiram-se actividades sucessivas de “controlo de acácias, plantação e manutenção”, em linha com as políticas estabelecidas de “intervenção progressiva” e “acompanhamento próximo e regular”, nas quais os municípios são parceiros imprescindíveis.

Marina Rodrigues, engenheira do ambiente do município de Santa Maria da Feira, reconhece o valor da parceria, nesta e noutras áreas do concelho, “na perseguição de objectivos comuns”. A localização e reconversão da Mata da Quinta do Castelo, nas proximidades da Mata das Guimbras (e da própria Quinta do Castelo), possibilitará, nas palavras da própria, a criação de um “corredor verde” composto por espécies como carvalhos-portugueses, sobreiros, castanheiros, medronheiros, azevinhos ou pinheiros-mansos. Os resultados já são visíveis, não só no crescimento das primeiras árvores plantadas, mas também pelo regresso de pequenos mamíferos à mata.

“No fundo, para que queremos uma mata autóctone no centro da cidade? Isto é um pulmão, não só em termos de qualidade do ar e de biodiversidade, mas em termos da retenção do calor e da água”, esclarece. O processo de reconversão em curso, resume-o em poucas palavras: trata-se de “transformar a mata naquilo que ela seria muito antes”, que é como quem diz, um território com “espécies autóctones e biodiversidade”.

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Os voluntários são um elemento essencial para o sucesso do projecto Futuro. Em particular aqueles que comparecem a todas as acções e acompanham de perto o crescimento de cada árvore plantada.

"Nós, os que amamos as florestas"

Criado em 2010, o Futuro – O Projecto das 100 Mil Árvores tinha um propósito tão claro que o próprio nome deixava pouco espaço para dúvidas. O Centro Regional de Excelência – Educação para o Desenvolvimento Sustentável, do qual fazem parte a Universidade Católica, a Direcção Regional de Educação e a Área Metropolitana, enquanto entidade promotora, propunha-se plantar de 100 mil árvores nos 17 concelhos da AMP, no espaço de cinco anos.

Na construção deste puzzle há, para além dos parceiros institucionais, outra peça essencial cuja participação está igualmente prevista desde o início: a dos voluntários. Aqueles que comparecem a todas as acções e acompanham de perto o crescimento de cada árvore plantada.

Para Vítor Parati, integrante do grupo de voluntários que participou na acção na Mata da Quinta do Castelo, este seria um cenário pouco provável há seis anos. Vítor era incapaz de distinguir espécies arbóreas, até que a participação num programa de vigilância florestal o deixou perante um incêndio. “Comecei a procurar na internet o que deveria fazer para ajudar, nomeadamente plantando árvores. Foi aí que me apercebi da importância da floresta autóctone e do quanto ela nos fazia falta.” O evento de má memória acabou por despontar a sua participação cívica.

As árvores “mais protectoras” que plantou quando visitou a mata da Feira pela primeira vez ultrapassam já a sua altura, uma “recompensa” face ao contínuo trabalho realizado ao longo dos anos. Nesta “escola” que é o projecto Futuro, Vítor aprendeu “muito”, não só com os responsáveis técnicos, mas também com os restantes voluntários. Assim se explica que “cativar pessoas” para participarem neste tipo de voluntariado se tenha tornado um hobby.

A participação de Orquídea Lima no voluntariado ambiental adveio, precisamente, da persuasão de Vítor. Ao contrário do que acontece nas actividades de limpeza de floresta, nas quais sente “pena e nojo” pelas atitudes do ser humano face ao meio ambiente, as acções de combate às invasoras e de plantação são aquelas que mais a divertem e lhe dão “gosto”, por saber que está a contribuir para solidificar a casa das gerações do futuro.

“Dos pinheirinhos que estão plantados ali em baixo, o meu é o mais bonito”, brinca. O “amor” que põe no que faz talvez ajude a explicar o sucesso de iniciativas como esta, mesmo assim, confessa que gostaria de ver mais acção do cidadão comum. “Nós, os que amamos as florestas, somos poucos para a destruição que há.” Orquídea corrobora a convicção de Vítor de que a participação no projecto Futuro é um ensinamento que vai para além das técnicas de poda ou de gestão florestas. “Aprendemos, através das actividades e das interacções, qual é o nosso lugar neste xadrez ecológico que é o planeta Terra. Ganhamos consciência.”

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O controlo de acácias, com recurso ao método de descasque, é um dos pilares da intervenção na Mata da Quinta do Castelo, cujos seis hectares que estão a ser reconvertidos em floresta autóctone.

Para lá da meta das 100 mil árvores

Com o prazo vencido e a meta inicial superada (actualmente, o projecto conta com 111 mil árvores plantadas), os objectivos do projecto estão agora a ser reajustados, priorizando a obtenção de recursos financeiros, nomeadamente através de angariação de mecenas, o que possibilitará a reconversão de mais áreas. “O processo mais custoso de criação e intervenção de floresta nativa é efectivamente a parte inicial e muitas vezes as autarquias não têm verbas destinadas para esses fins”, lembra a coordenadora técnica Conceição Almeida.

Em termos operacionais, as acções de monitorização e controlo do Futuro mantêm-se, até porque “continua a ser necessário criar floresta nativa” e isso “não se faz de um dia para o outro”.

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