Celina da Piedade lança em disco um concerto que trocou as voltas à pandemia

Ao Vivo na Casinha é o quarto disco de Celina da Piedade e chega esta sexta-feira às lojas. Um testemunho de resistência à pandemia, gravado no estúdio dos Xutos & Pontapés.

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Celina da Piedade durante o concerto agora editado em disco RITA CARMO

Foi um dos concertos que, em Agosto de 2020, rompeu o silêncio provocado pela pandemia. Seis meses passados, toma agora forma de disco, o quarto de Celina da Piedade (sucessor de De Casa, 2012; O Cante das Ervas, 2014; e Sol, 2016) e o primeiro que ela registou ao vivo, respeitando as precauções sanitárias ditadas pela covid-19, no estúdio Casinha, dos Xutos & Pontapés. Com um repertório vibrante e uma prestação entusiástica, a trocar as voltas à pandemia.

“Eu tinha feito uma promessa a mim própria que de 2020 não passava, que havia de fazer um disco novo”, diz Celina da Piedade ao PÚBLICO. “Só que surgiu a pandemia, viemos todos para casa e eu comecei a pensar como é que havia de fazer isso. Entretanto, nos Tais Quais [grupo que ela integra junto com João Gil, Tim, Vitorino, Paulo Ribeiro, Sebastião Santos, Jorge Serafim e Vicente Palma, que entrou a substituir o pai, Jorge Palma, no segundo disco], falámos para ver de que forma poderíamos abrir janelas num período em que tudo estava fechado. O Tim teve então a ideia de criar o Live A Casinha: lançou-se o site, a plataforma e no Verão estava tudo montado.”

“Citação do meu percurso”

Abriu com os Tais Quais: “Fizemos três concertos, em grupos mais pequenos (porque havia um limite de pessoas que podiam estar no estúdio), e o Tim desafiou-me a fazer um concerto meu. Vim para casa pensar nisso, desafiei os músicos que tocam comigo e eles alinharam logo. Senti-me um pouco responsável porque estava a desafiá-los a saírem de casa numa altura como aquela, mas felizmente tudo correu bem.”

Filmado e gravado em multipista, ficou no ar a possibilidade de dar um disco. E deu mesmo. “Correu-nos super bem, ensaiámos bastante e o resultado foi aquele que eu estava à espera. Foi um privilégio ter uma oportunidade destas a meio de 2020 e poder tirar partido dela.” Com Celina da Piedade (voz, acordeão e produção), estiveram Filipa Ribeiro (voz, glockenspiel, percussões), Nilson Dourado (guitarra), Sebastião Santos (bateria), Sofia Neide (contrabaixo) e uma convidada especial, Ana Santos (violino e viola de arco).

A maioria dos temas (11 ao todo, mais um de bónus no CD) retomam tradicionais do Alentejo: “Queria muito lançar um disco em que a maior parte dos temas fossem do cancioneiro alentejano. Tenho feito sempre esta aproximação aos repertórios do Sul, mas agora queria mostrar de modo mais abrangente esta minha relação com a música do Alentejo, e que na verdade tem muito a ver com o repertório que eu tenho feito nos últimos anos em concerto. Tinha oito temas que não tinham ainda sido editados, três deles mais recentes: a Coradinha, que nunca tínhamos tocado ao vivo e fizemos o arranjo de propósito para o concerto; As cobrinhas d’água, que eu já tocava com a Ana [Santos, que lhe juntou o instrumental Tricot] e foi feito durante a pandemia; e a Valsa almofariz. Os outros eram temas que eu já tocava nos meus concertos, mas não tinha ainda gravado: as Saias da moda, a Andorinha, a Ceifeira, a Saia da Carolina e a Laranja da China.”

Os temas Rebola a bola e Calimero e a pêra verde já tinham sido gravados no primeiro disco de Celina, enquanto Saia da Carolina veio do repertório dos Uxu Kalhus, grupo de que ela foi co-fundadora e integrou entre 2000 e 2010; Limoeiro tinha sido gravado, por proposta de Celina, no primeiro disco dos Tais Quais (2015): “Quis fazer uma espécie de citação ao meu percurso e um agradecimento a estes músicos com quem tenho tocado e que me têm ensinado muito”, diz. “O Rebola a bola não estava no alinhamento. Mas no estúdio há sempre alguém (normalmente é o Tim) que faz de mediador entre o público que está a assistir e a banda. E no final ele pergunta: ‘O que é que querem ouvir?’ E alguém respondeu: ‘Rebola a bola!’. Desatámos a rir e dissemos: ‘Nós não ensaiámos essa, mas está bem, tocamos’. E ficou super engraçado. Eu já tinha gravado esse tema no meu primeiro disco, De Casa, com os Gaiteiros de Lisboa. Mas para os concertos mudei o arranjo, porque aquele era muito específico. Foi uma oportunidade, gravá-lo assim.”

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A capa do disco agora editado RITA CARMO

Feliz legado de infância

Há outra citação do seu percurso, neste concerto: uma foto dela com acordeão, tirada aos 6 anos (na verdade, começou a tocá-lo aos 3 anos). O retrato era para ser pendurado na parede, mas um dos músicos (“acho que até foi o Sebastião”) disse que a moldura ficava bem era em frente ao bombo. E assim ficou, no concerto e na capa, em primeiro plano, só com a bateria por detrás. “Adoro aquele retrato. Fui uma criança muito feliz e a música esteve sempre presente, foi uma coisa muito forte na minha vida. Isso marcou-me muito e às vezes penso que foi todo o amor e toda a paixão que eu sentia pela música em pequena que me deu os alicerces para depois viver a vida na música com a teimosia que me caracteriza.” Algo que lhe moldou o carácter, até hoje: “Nunca me passou pela cabeça, mesmo em adulta, desistir do que faço. Posso mudar a minha visão sobre as coisas, mas nunca caberá em mim desistir de ser música, desistir de tocar.”

Durante o confinamento, que a apanhou em pleno palco, Celina não tem estado parada. “Todos estamos a ser postos à prova, de uma maneira ou de outra. Eu sou muito reactiva, não sou de ficar a remoer. Eu saí do CCB, onde tínhamos acabado de estrear o espectáculo Assim Devera Eu Ser (com a Sara Vidal e a Catarina Moura), para me fechar em casa. Ensaiámos furiosamente (eu nunca tinha representado, era a primeira vez) para fazer nove espectáculos, mas só fizemos um. Em casa, comecei a pensar em alternativas, e isso deu-me muito entusiasmo. Continuei a dar aulas online, a fazer conteúdos em vídeo para os alunos usarem.”

E isso acabou por levá-la a montar um videoclipe com a inclusão de vários vídeos caseiros, com o tema Coradinha. “Isso nasceu do puro aborrecimento de estar em casa: lancei o desafio de me enviarem vídeos a cantar e a fazer gestos, para trabalhar o tema com as crianças mais pequenas. E foi incrível, porque recebi mais de 70 vídeos! Estivesse meses a receber vídeos, de todo o lado. De pessoas que não me conheciam de lado nenhum, utentes de lares, um rancho folclórico… Foi de ir às lágrimas!”

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