Artistas que actuam em aldeias vivem “uma situação dramática”

Os artistas, que actuam nas aldeias e pequenas vilas, e que são fundamentais nas festas por esse país fora, estarão a passar por sérias dificuldades, devido à pandemia de covid-19.

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Sergio Azenha

Passam muitas vezes ao lado das notícias, mas os artistas que actuam nas aldeias e vilas são fundamentais nas festas e animação de todo o país, fora dos grandes centros urbanos. Di-lo o antropólogo José Manuel Sobral, avisando sobre a situação muito difícil que muitos estão a viver devido à pandemia. O mesmo tipo de advertência que é feito pelo presidente da Sociedade Portuguesa de Autores (SPA), José Jorge Letria.

Para o investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, José Manuel Sobral, em declarações à Lusa, estes artistas, sendo cidadãos portugueses e pagando impostos, devem receber apoio: “Eram uma parte importante da vida local. São eles que animam praticamente tudo aquilo que fica fora dos grandes centros urbanos, como Lisboa, Porto, Coimbra”. Têm um calendário de actuações muito preenchido sobretudo durante a época festiva. “O Verão acaba por ser em Portugal a grande época festiva porque também é o momento em que grande parte do país que está vazio beneficia com a vinda dos emigrantes à sua terra natal”, diz.

Nas aldeias, mesmo sem pandemia, a oferta cultural é escassa, pelo que a música, a dança, a partilha de refeições ao ar livre assume particular importância, defende. “É evidente que nas aldeias e nas vilas mais pequenas algumas das outras diversões estão ausentes. Hoje é difícil, mesmo ao nível do município rural, que não seja na faixa do litoral ou numa cidade razoavelmente grande, haver cinema”, exemplificou, destacando igualmente a importância das bandas filarmónicas a nível local e regional, de onde não raras vezes emanaram os músicos dos arraiais.

“As bandas de música são associações locais, muitas delas vêm do século XIX, são lugares onde se aprende música, a linguagem musical, músicos que conseguem ler as partituras e interpretá-las e das quais sairão também músicos para estes grupos”, recordou, acrescentando que “cantar, dançar, comer em conjunto, conversar, rir, são actividades fundamentais para o nosso bem-estar enquanto membros da sociedade, enquanto seres humanos”, assumiu o antropólogo, autor de Portugal, Portugueses: Uma Identidade Nacional.

Portas encerradas

Largas centenas desses artistas que actuam nos palcos regionais estão a viver uma situação dramática, alerta também José Jorge Letria. “Há muita gente a viver em péssimas condições, em estritas condições de sobrevivência, no limite, e com enormes problemas para ultrapassar” a situação, afirmou, referindo-se à interrupção da actividade artística, devido às medidas decretadas para conter a pandemia de covid-19. Para José Jorge Letria, o principal problema é a precariedade. “O que posso dizer sobre estas pessoas, em geral, e são milhares, é que estão dispersas pelo país e a pandemia atingiu-os violentamente”, indicou, acrescentando a este cenário os músicos que actuam em bares: “O grande problema que se coloca a estas pessoas é que pandemia veio agravar o estatuto da precariedade”.

“A maior parte tem pequenos contratos e vai actuando em bares, em palcos regionais. São pessoas qu dependem muito do vínculo precário de uma actuação, de um evento, um fim-de-semana, o fim-de-semana seguinte. A grande questão que se coloca e para a qual a SPA chamou várias vezes a atenção nos últimos anos é a necessidade da criação de um estatuto do artista, que defina as condições de protecção, desde logo as condições fiscais e as condições de vínculo laboral a uma instituição que os proteja, porque de outro modo não têm protecção”, defendeu.

Recorde-se que, há três semanas, em entrevista ao PÚBLICO, a ministra da cultura Graça Fonseca revelou que a proposta de criação de um estatuto do artista foi concluída em Dezembro, estando agora a ser trabalhadas questões técnicas como o impacto financeiro ou a definição do universo de trabalhadores a abranger. “O passo seguinte é eu submeter ao Conselho de Ministros um diploma. Mas não iniciarei trabalho legislativo sem voltar a falar com todos”, garantiu na altura a ministra. Já esta quarta-feira, o primeiro-ministro, António Costa, anunciou na sessão parlamentar que “o estatuto dos profissionais da cultura será aprovado num Conselho de Ministros temático sobre a cultura que terá lugar no próximo dia 22 de Abril”.

A meio de Fevereiro, com a nova portaria avançada pelo Governo, ficou garantida a continuidade da linha de apoio social aos artistas, autores e outros profissionais, criada em Junho do ano passado no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social, sendo também consagradas as novas ajudas a fundo perdido a empresas e entidades artísticas (individuais e colectivas) no quadro do programa Garantir Cultura, cuja dotação global é de 42 milhões de euros. Quanto ao subsídio social extraordinário aos artistas e a outros profissionais a título individual, manteve-se o valor de 438 euros. Apesar das medidas comunicadas em Fevereiro de reforço ao apoio do sector da cultura em várias áreas, as diversas organizações do sector argumentam que ainda não chega a todos. 

À SPA, sublinha Letria, chegam frequentemente pedidos de ajuda de quem já passou por várias portas encerradas, artistas que, privados do palco, procuraram trabalho em cafés e restaurantes, mas também aí voltaram a ficar com a vida suspensa pelo confinamento. “Quando digo que é uma situação dramática sei o que digo, porque é uma situação com a qual lidamos regularmente e às vezes aparecem-nos pedidos e apelos ansiosos e desesperados do ponto de vista psicológico”, afirma.

De acordo com os números facultados, a SPA concedeu no último ano apoios globais de quase dois milhões de euros. Através do Fundo Cultural apoiou “largas dezenas de projectos”, disse o presidente da instituição. A candidatura a estes apoios depende do vínculo à SPA e das condições de serem aceites como beneficiários e depois como cooperadores ao fim de algum tempo, explicou. “Mas é uma situação dramática, que me faz ter as maiores apreensões em relação àquilo que vai vir a seguir”, refere. Da parte do Governo, José Jorge Letria espera que a ministra da Cultura, Graça Fonseca, faça avançar o estatuto profissional do artista. “Enquanto a precariedade não for combatida a esse nível, eles não têm qualquer protecção”, reiterou.

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