Reerguer as carreiras médicas, um desafio!

As carreiras médicas, valem por si mesmo, e sendo um edifício sólido, ficarão mais protegidas, evitando a delapidação dos quadros médicos e consequentemente o enfraquecimento do SNS.

A situação pandémica que temos vivido, veio colocar a nu aquilo que já se sabia desde há anos: a destruição das carreiras médicas é responsável pela insuficiência do número de médicos especialistas no SNS. Ser capaz de reerguer as carreiras médicas seria um sinal qualificador da política de Saúde, seria também um desafio estimulante para os profissionais e, sobretudo, uma resposta séria e firme a um problema que se está a agudizar de dia para dia e a causar uma grande erosão no SNS.

O facto de o serviço público de saúde ter respondido capazmente, de uma forma global, àquele desafio inopinado, não invalida a oportunidade desta análise, agora que entramos em fase de acalmia pandémica. Nos últimos anos foram surgindo notícias, periodicamente, sobre a falta de médicos, em distintas especialidades em diversos hospitais do país, com implicações sobretudo nas atividades da Urgência. Para a sua resolução procuram-se as mais diversas fórmulas pontuais e paliativas, mas não se encara aquela que é a solução de fundo: a reposição das carreiras médicas como as conhecemos, com as necessárias melhorias e correções, que as tornem mais atrativas para os jovens médicos, sobretudo pelo que significam em termos de futuro com estabilidade e de formação qualificada.

Esta atratividade tem de ser acompanhada de investimento em equipamentos, tecnologia e inovação, que o SNS não pode descurar! A existência das carreiras médicas é: estruturante para a prática da Medicina no SNS; motivadora para os médicos ajudando à sua fixação no serviço público; geradora de expetativas de valorização técnico-profissional. Da mesma forma irá pôr cobro a gritantes desconformidades: o absurdo corrosivo instalado que são as empresas prestadoras de serviços médicos, as remunerações díspares de mercado e as contratações inorgânicas e avulsas “para além dos quadros” feitas por necessidade urgente, e sem outros critérios.

É urgente retomar a progressão efetiva dos médicos de acordo com as suas capacidades técnico-científicas, reverter a ausência de expetativas e de diferenciação técnico-científica, uma das causa de debandada do SNS, repor concursos para ocupação de vagas de forma planeada nos serviços de acordo com o mérito, desfazer as assimetrias com a existência de médicos com diferentes salários e contratos, apesar de terem as mesmas responsabilidades e tarefas.

Temos que repensar as carreiras médicas, e na sua afirmação pela positiva. Não vale a pena “chorar sobre o leite derramado”, pelo mal que sucessivos episódios legislativos lhe causaram, sobremaneira na área hospitalar. As carreiras médicas, valem por si mesmo, e sendo um edifício sólido, ficarão mais protegidas, evitando a delapidação dos quadros médicos e consequentemente o enfraquecimento do SNS. Quando havia carreiras médicas e dedicação exclusiva alguém ouviu falar da falta de médicos? A atual descaracterização das Carreiras Médicas não ajuda a credibilizar o SNS.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

João Paulo Almeida e Sousa

Médico intensivista, membro do Observatório de Saúde António Arnaut

Sugerir correcção
Ler 1 comentários