Valor de uso e valor de troca da vacina anti covid

Como pode a Humanidade aceitar que, face a um vírus ubíquo e altamente letal, apresentando mutações que põe em causa a eficácia das vacinas, o valor de troca prevaleça sobre o cada vez mais indiscutível valor de uso?

Não vou discutir conceitos económicos sobre valor de uso e valor de troca. Deixo isso para os entendidos. Sobre a matéria, lembro apenas que os bens que têm maior valor de uso têm geralmente pouco ou nenhum valor de troca, sendo o contrário também verdadeiro. Dou dois exemplos clássicos, a água, enorme valor de uso e baixo valor de troca (pelo menos por estas bandas); o ouro, enorme valor de troca e pouco valor de uso.

Conforme a conveniência do momento, um ou outro dos valores pode ser realçado. É o exemplo do que se passou entre nós com as máscaras de proteção nesta epidemia. Face à escassez inicial, nada como desvalorizar o seu valor de uso. Não estava em causa o valor histórico desta forma de proteção num agente infecioso por via respiratória, estava sim, entre outras razões, o facto de, sendo então um bem escasso, adquirir um grande valor de troca. Situação entretanto ultrapassada com a fabricação em massa deste material de proteção.

Do que já se conhece sobre a eficácia das vacinas, só por ignorância ou atavismo, se pode pôr em causa o seu enorme valor de uso no combate à pandemia e suas consequências sociais e económicas. Assim sendo, porque não se potencializa a nível mundial a produção e rápida distribuição à escala planetária? Não havendo constrangimentos técnicos inultrapassáveis, note-se que a Índia surge como o grande país fabricante de vacinas, seguramente que são questões relacionada com o valor de troca (económicas e geopolíticos) que se sobrepõe ao interesse geral.

Os representantes das multinacionais farmacêuticas vêm dizer-nos que estão disponíveis para dar o “peixe”, não para ensinar a pescar. Os países mais pobres, que fiquem com as sobras das vacinas, pagas à cabeça, é bom lembrar, por dinheiros públicos dos países mais ricos. Abdicar ou aceitar negociar, os direitos de patente conferidos pela propriedade intelectual das vacinas, de tecnologia ARN em particular, é assunto que não se discute.

Como pode a Humanidade aceitar que, face a um vírus ubíquo e altamente letal, apresentando mutações que põe em causa a eficácia das vacinas, prevendo-se que possam obrigar a “afinações” periódicas que só a tecnologia ARN parece conseguir em tempo útil, o valor de troca prevaleça sobre o cada vez mais indiscutível valor de uso?

Com esta intransigência das multinacionais, que o poder político comprometido não ousa contrariar, corre-se o risco de o desejo do casal Sahin - cientistas Turcos na base da descoberta da tecnologia ARN, “esperar que a vacina “arrase o vírus” e possa mesmo pôr fim à pandemia” não se concretizar ou venha a ocorrer à custa da perda desnecessária de mais vidas humanas.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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