Jerónimo relativiza críticas a “democracia amordaçada” e diz que Cavaco “está velho”

Catarina Martins culpa a lei de bases da Saúde de Cavaco que dificulta agora o combate à pandemia. Já o PS diz que Cavaco fez um “acto de contrição” e lamentou que no seu tempo visse bloqueios em tantas instituições que pedia “deixem-nos trabalhar”.

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Diogo Ventura

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, relativizou hoje a crítica do ex-Presidente Cavaco Silva de que Portugal vive numa “democracia amordaçada”, considerando-a “exagerada”, e afirmou que o antigo líder do PSD “está velho”. Em entrevista na RTP no dia em que o PCP faz 100 anos, Jerónimo falou sobre o partido, reconheceu os “avanços, limitados, mas avanços”, durante os anos dos acordos à esquerda, de 2015 a 2019, e criticou a tendência do PS “de não ir mais além” em algumas medidas sociais, como no aumento do salário mínimo.

Questionado sobre as afirmações de hoje Cavaco Silva num encontro de mulheres do PSD, afirmando que Portugal vive “numa situação de democracia amordaçada”, o líder dos comunistas recordou as “profundas críticas ao PS e ao Governo, particularmente em matérias económicas” e europeias, em que “há um grau submissão” da parte de Lisboa a Bruxelas. “Daí a tomar como verdadeira essa afirmação do ex-Presidente da República Cavaco Silva é, no mínimo, manifestamente exagerado”, afirmou.

Depois, disse que a intervenção de Cavaco Silva, de 81 anos, pode ser vista como “uma táctica do PSD”, que “faz os entendimentos com o PS em questões de fundo, estruturais” e depois precisa de “umas vozes críticas que, correndo por fora, sempre ajudam a essa táctica de reforço do PSD”. “As pessoas merecem-me sempre respeito, mas, no somatório daquela entrevista, acho que está velho. Cavaco Silva está velho”, concluiu Jerónimo de Sousa, de 73 anos.

Hoje, Cavaco Silva afirmou que Portugal vive “numa situação de democracia amordaçada", considerou que causam “vergonha” os números recentes da pandemia de covid-19, que colocaram o país como “recordista” de mortes por milhão de habitantes e disse que o SNS está “fragilizado por decisões erradas e graves" do Governo “da geringonça”. Alertou para “o empobrecimento relativo” do país em relação aos outros Estados-membros da União Europeia e criticou a “deterioração da qualidade da democracia a que a ‘geringonça’ conduziu o país”.

Catarina Martins considera que as declarações do antigo Presidente da República sobre o SNS são “uma autocrítica” à lei de bases que então defendeu, que obrigava o Estado a financiar o sector privado da saúde, com prejuízo do desenvolvimento do SNS, apontando-lhe um problema de “colagem com a realidade”.

Apesar de haver desde 2019 uma nova lei de bases de saúde aprovada por PS, BE e PCP, a líder bloquista considera que “não é num ano ou dois que se resolve um problema que já tinha umas décadas”, porque a anterior lei “criou uma enorme fragilização do SNS”, argumentou durante a conferência de imprensa após a Mesa Nacional do BE.

Sobre as críticas de que Portugal vive uma “situação de uma democracia amordaçada”, Catarina Martins começou por ressalvar que se exige “algum respeito institucional por ex-Presidentes da República”. “Mas as nossas divergências são tão grandes que eu tenho até dificuldade em perceber sequer a que é que se refere. Julgo que há um problema até de colagem com a realidade”, apontou.

Já o PS leu nas palavras de Cavaco um “acto de contrição” e ironizou afirmando ser "enternecedor” o modo como aquele ex-governante agora vê o poder político já que, quando era primeiro-ministro, pedia que o deixassem governar sem forças de bloqueio. “Noutros tempos recordamo-nos bem das considerações e dos pedidos para que deixassem governar o Governo presidido pelo professor Cavaco Silva”, lembrou Carneiro, numa referência à célebre frase do social-democrata “deixem-nos trabalhar”.

Para José Luís Carneiro, “não deixa de ser enternecedor ver que, agora fora de funções executivas, há uma outra perspectiva sobre o modo como se governa e como se exercita o poder político”.

Sobre a fragilidade do SNS, o dirigente socialista considerou interessante o reconhecimento de que “merece ser reforçado”. “Bem nos recordamos da falta de meios humanos, materiais, de investimento que o SNS teve durante décadas e da própria abertura às privatizações e ao sector privado, mas mais vale tarde que nunca”, atirou.

Questionado a questão de Portugal viver “numa situação de democracia amordaçada”, o socialista respondeu apenas: “Nós já nos conseguimos até esquecer das cargas policiais na Ponte 25 de Abril.” “É a demonstração de que a expressão livre e democrática continua a demonstrar a qualidade da nossa democracia.”