Indicadores de urgências e internamentos por pneumonia vírica podem ajudar a detectar surtos de covid

Artigo publicado na revista Acta Médica Portuguesa refere que estes dois indicadores registaram uma subida uma semana antes do aumento da taxa de incidência de casos de covid-19 na comunidade.

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Miguel Manso

A monitorização dos episódios de urgência e dos internamentos por pneumonia vírica pode ajudar a detectar possíveis surtos de covid-19, conclui um artigo publicado na revista Acta Médica Portuguesa. Os seis autores analisaram a correlação entre a taxa de incidência da infecção provocada pelo SARS-CoV-2 e diversos indicadores clínicos e perceberam que estes dois – episódios de urgência e internamentos por pneumonia vírica registaram uma subida uma semana antes do aumento de casos de covid-19 ter sido verificada na comunidade.

A pergunta que serviu de base ao estudo surgiu “naturalmente”: será que os indicadores que poderiam ser utilizados para a monitorização da gripe poderão ser usados com eficácia para a vigilância da covid-19? No artigo, os autores lembram que no Reino Unido a plataforma Saúde Pública Inglaterra (Public Health England) usou indicadores relativos a consultas nos centros de saúde e a urgências hospitalares por covid e pneumonia e que este sistema de vigilância “contribuiu para a detecção do pico de incidência da primeira vaga de covid-19”.

Os seis autores fizeram então uma análise de séries temporais utilizando a taxa de incidência semanal de covid-19 em Portugal continental, entre as semanas 14/2020 (30 de Março a 5 de Abril) e 25/2020 (15 a 21 de Junho), e seis indicadores: consultas em cuidados de saúde primários por covid; número de episódios de urgência por covid; número de episódios de urgência por pneumonia vírica; número de internamentos por pneumonia vírica; proporção de episódios de urgência por pneumonia vírica face ao total de episódios de urgência por pneumonia e proporção de internamentos por pneumonia vírica face ao total de internamentos por pneumonia.

“Foi encontrada uma correlação forte entre a taxa de incidência semanal de covid-19 e todos os indicadores”, concluem Ana Rita Torres, Susana Silva, Irina Kislaya, Carlos Matias, Ana Paula Rodrigues e João Pedro Martins. Os cinco primeiros fazem parte do Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge (Insa), estando alguns também ligados à Escola Nacional de Saúde Pública e à Faculdade de Ciências Médicas de Lisboa. O último pertence à direcção de sistemas de informação dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde.

Referem que “os episódios de urgência e internamento por pneumonias víricas detectam variações na frequência da doença com uma semana de antecedência”, razão pela qual consideram que estes indicadores “poderão ser úteis para a detecção precoce de possíveis surtos de covid-19”. Já a “proporção de pneumonias víricas face ao número de pneumonias em episódios de urgência, ou internamentos, encontra-se alinhada temporalmente com a evolução da taxa de incidência semanal de covid-19” e “as consultas em cuidados de saúde primários e urgências por covid-19 registam uma semana de atraso relativamente à evolução da taxa de incidência”.

Sistema complementar

Relativamente à proporção de pneumonias víricas face ao número de pneumonias em episódios de urgência ou internamentos e ao facto de estas não mostrarem a mesma antecedência em relação à evolução da incidência de covid, que o número de urgências e internamentos mostraram, os autores põem a hipótese de existirem “pneumonias víricas classificadas como sendo de causa indeterminada, influenciando assim o seu valor relativo”.

Quanto às urgências e consultas nos centros de saúde por covid, a “dilação poderá estar relacionada com a reorganização dos serviços de saúde no início da epidemia”, já que as áreas dedicadas a atender doentes com sintomas suspeitos de covid, quer nos centros de saúde, quer nos hospitais, foram abertas de forma faseada. Há ainda outros factores que põem à consideração: o período de transição na utilização dos códigos de registo associados à covid em Março do ano passado e o eventual registo, nessa altura, destes casos como sendo consultas e urgências por síndrome gripal, dada a semelhança de sintomas.

Perante os resultados, os autores sugerem “que os indicadores em análise sejam utilizados de forma regular, com especial atenção à informação relativa a pneumonias víricas, como forma de detectar precocemente surtos de covid-19”. E que esse facto sugere que “serão especialmente indicados para o direccionamento da estratégia de testagem como forma de identificar e isolar novos casos de infecção”.

Quanto à utilização de sistemas de vigilância que usam registos clínicos para a monitorização da covid-19, “serão um complemento valioso ao actual sistema de vigilância universal em Portugal para a covid-19, integrado no Sinave [Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica]”, pois “em situações de sobrecarga dos sistemas de vigilância epidemiológica pode haver maior subnotificação de casos”.

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