SOS Racismo: o mito acabou

Em todas as esferas da nossa sociedade encontram-se legados do colonialismo e da ideologia supremacista branca que estruturou a nossa sociedade atual.

A SOS Racismo, associação pioneira em Portugal na denúncia e no combate à discriminação racial e a xenofobia, comemora os seus 30 anos de existência. As prioridades na altura, na década de 90, eram a condenação dos violentos grupúsculos neonazis que atacavam em nome da “supremacia branca”, o reconhecimento dos direitos dos imigrantes, o apoio jurídico às situações de discriminações individuais que procuravam justiça, e a denúncia da utilização de estereótipos e de linguagem enviesada na reprodução e perpetuação dos preconceitos, visível na maior parte da imprensa e nas praticas institucionais. Vingava então e ainda vinga na sociedade portuguesa a ideia de que o racismo era um fenómeno pontual, marginal, devido a atitudes individuais.

As narrativas criadas pelo Estado Novo de que o povo português é tolerante e não racista, procurando contrariar a legitimidade das lutas anticoloniais que eram por inerência anti-racistas, atravessaram as décadas e perpetuaram-se. Só agora, passados sessenta anos, este mito de que o país não é racista está a começar a desmoronar, à luz do que tem acontecido, nomeadamente, a violência policial e a ascensão da extrema-direita.

Os tempos mudaram, e muito. Nas instituições, no debate público, em todas as esferas da nossa sociedade encontram-se legados do colonialismo e da ideologia supremacista branca que estruturou a nossa sociedade atual. Mas os tempos mudam e a percepção do privilégio de ser branco numa sociedade construída por brancos é pouco a pouco evidenciada. Na academia, na literatura, nas artes existem novos protagonistas que investigam as formas como o racismo é presente e estrutural em Portugal, da educação à justiça, da polícia à administração, dos média à política e a todas as estruturas de poder.

De um outro lado, assistimos à naturalização de discursos de ódio, a uma aceitação e normalização de movimentos de extrema-direita, que ganham muito terreno. É um fenómeno global, potenciado pela manipulação das redes sociais, pela facilidade em sedimentar ideologias totalitárias difundindo o ódio e a mentira. Partidos racistas emergem no nosso país e têm as suas vozes amplificadas acriticamente.

O racismo está mais evidenciado, mais presente e mais perigoso como nunca vimos na nossa democracia. Mas existem novos protagonistas para denunciá-lo, com uma expressão mais forte do que nunca. Pessoas racializadas - que experienciam este racismo estrutural - que se organizam e levantam a voz para propor políticas de visibilização e de reparação. É a estes activistas que a SOS Racismo quis dar voz para os seus 30 anos, num documentário que junta dirigentes associativos ciganos e negros de norte a sul do país, que acaba de ser disponibilizado no YouTube.

A cura das feridas do passado e a construção de uma sociedade mais justa, mais equitativa, respeitadora de todas as diferenças só se fará se estas novas vozes ganharem espaços de visibilidade e representatividade.

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